Consumo ignorado

Medo, desconhecimento, preconceito, dificuldades de logística são fatores que explicam a ausência de redes de supermercados nas comunidades brasileiras. Explicam, mas não justificam. Com raras exceções, é o pequeno comércio, muitas vezes informal, que ainda atende o morador local. Grandes grupos do varejo, como Casas Bahia, já estão presentes em várias comunidades, como a carioca Rocinha e a paulistana Paraisópolis. E as indústrias de bens de consumo em massa há algum tempo se envolvem com os moradores, pesquisando hábitos de consumo e necessidades latentes para lançar e adaptar produtos. Elas investem e se empenham em atrair esse público para suas marcas. O varejo alimentar, entretanto, conta apenas com algumas poucas iniciativas, a exemplo de lojas da central de negócios Supermarket, uma referência em comunidades do Rio de Janeiro. A reportagem de SM procurou grupos como GPA, Carrefour, Cobal e Sonda, para entender o que acontece, mas as empresas não quiseram falar sobre o assunto ou não dispunham de agenda para a entrevista.

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Felizes e ambiciosos

Ao contrário do que a classe média costuma imaginar, os moradores das comunidades estão de bem com a vida, têm ambição, crença no futuro e orgulho de morar onde moram. Quem quiser entrar nesse mercado terá de olhar esse público com outros valores e inventividade. Veja o que pesquisa do Data Popular e da Central Única de Favela (Cufa) aponta. O resultado completo do estudo está publicado no livro “Um País chamado Favela”, da editora Gente, e cujos autores são Renato Meirelles e Celso Athayde.

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As transformações econômicas vividas nos últimos anos, impulsionadas pelos programas sociais, deram poder de compra a milhares de pessoas e possibilitaram alguma sofisticação no perfil de consumo daquelas que já tinham acesso a produtos básicos. Nas favelas, a renda cresceu 54,7% nos últimos dez anos, enquanto na média do Brasil o crescimento foi de 37,9%, segundo dados da pesquisa “Radiografia das favelas brasileiras”, realizada pelo Data Favela, com 2 mil pessoas.

Apesar disso, as compras de alimentos continuam sendo feitas nos estabelecimentos nascidos nas favelas. O mesmo estudo mostra que 89% das pessoas pesquisadas compram em mercado, mercearia ou padaria. E 90% delas se abastecem na própria comunidade. Nem as lojas do entorno representam opção para a maioria dos moradores. Quem ganha com isso é o pequeno empresário local. Há algumas raras exceções. Uma delas é o Supermercado 2001, do Rio de Janeiro, que realiza entregas em favelas do centro e da zona sul da cidade. A história foi contada pelo jornal O Globo, em matéria de Nice de Paula. Com duas lojas, o supermercado conta com clientes que buscam a comodidade da entrega domiciliar. Afinal, muitos não possuem carro. Com cerca de 200 entregas por dia, incluindo também endereços fora das comunidades, a empresa conta com esquemas quando há algum impedimento para realizar a entrega na favela. O cliente é avisado e o pedido deixado em algum lugar próximo, como uma creche ou a associação de moradores.

Para Celso Athayde, criador da CUFA (Central Única das Favelas) o que falta ao supermercadista de fora é entendimento do território. “Para se estabelecer em algum lugar, é preciso conhecê-lo, saber a rotina dos moradores, como funciona a cabeça deles e ter acesso a uma série de outras informações”, afirma. Já a ONG Favela É Isso Aí, de Belo Horizonte, publicou em seu blog pontos favoráveis à expansão de empresas nas comunidades:

  • proximidade entre a loja e a moradia das famílias, o que favorece o entendimento dos hábitos de consumo;
  • existência de mecanismos locais de comunicação, que facilitam a divulgação das ofertas e do próprio supermercado

E, então: vale a pena estudar esse mercado, ou o desafio é grande demais para o seu negócio?

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Sueli de Souza Silva
Profissão: Auxiliar de cozinha
Idade: 54 anos
Estado civil: Solteira, 4 filhos, 2 netos
Renda: Salário Mínimo
Comunidade: Muzema (RJ)

“Só frequento as lojinhas da comunidade, de 1 a 4 caixas. Visito o Mon Cherie, o Mercadinho Feijão e o Mercado Mutrema. E eles entregam a compra sem cobrar taxa. Os produtos são sempre muito bons, inclusive hortifrútis, carnes, pãezinhos.”

Clenilda Nobre Leitão
Profissão: Empregada doméstica
Idade: 42 anos
Estado civil: Casada, 3 filhos e 1 sobrinho
Renda: R$ 4.000
Comunidade: Rocinha (RJ)

“Faço compras na própria comunidade: em mercadinhos ou no Supermarket (loja de uma central de negócios). Encontro tudo que preciso e posso pagar com cartão. Temos feira aos domingos, mas nem sempre é seguro circular pela área. Só vamos ao Mundial ou Extra se há uma boa promoção.”

Gabriela Barros
Profissão: área administrativa
Idade: 28 anos
Estado civil: Casada, grávida
Renda: R$ 3.500
Comunidade: Rio de Pedras (RJ)

“Normalmente faço compra de mês na própria comunidade e a loja entrega cobrando taxa de R$ 10. Os preços são acessíveis. A loja que frequento tem ar condicionado, pessoal simpático e bem uniformizado. Só vou ao Guanabara ou Mundial quando colocam vários itens em promoção. Não saio para comprar só uma oferta.”

12 milhões de pessoas moram em favelas
Fonte: Data Popular e CUFA Brasil

64,7 bilhões anuais é o potencial de consumo
Fonte: Data Popular e CUFA Brasil

54,7 bilhões aumento médio da renda em 10 anos
Fonte: Data Polular e CUFA Brasil

Por: Supermercado Moderno

By | 2017-05-28T09:49:12-03:00 17 março, 2015|Categories: Consumo, Marca, Mercado, Pesquisas, Redes Sociais, Varejo|Tags: , , , |0 Comments

About the Author:

Mestre em Economia, especialização em gestão financeira e controladoria, além de MBA em Marketing. Experiência focada em gestão de inteligência competitiva, trade marketing e risco de crédito. Focado no desenvolvimento de estudos de cenários para a tomada de decisão em nível estratégico. Vivência internacional e fluência em inglês e espanhol. Autor do livro: Por Que Me Endivido? - Dicas para entender o endividamento e sair dele.

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