O brasileiro está dividido entre o desejo de consumir e a necessidade de pagar as contas. Em uma pesquisa realizada pela Nielsen no terceiro trimestre, 38% dos entrevistados disseram que pretendem quitar as dívidas com os recursos que sobrarem das despesas essenciais. Mais do que os 34% de um ano antes e que os 37% do segundo trimestre. A intenção de sair do vermelho, entretanto, que liderava desde janeiro, perdeu o trono. O desejo de destinar o excedente ao entretenimento fora do lar avançou muito mais do que a disposição de pagar dívidas: saltou de 35% para 41% do segundo para o terceiro trimestre, e ganhou a dianteira na preferência do consumidor. No levantamento, o entrevistado pode marcar quantas opções quiser. As intenções de comprar produtos com novas tecnologias e viajar de férias também cresceram no período.
A pesquisa, divulgada com exclusividade para o Valor, foi realizada pela Nielsen com 29 mil pessoas em 58 países. As entrevistas foram feitas pela internet.
No Brasil, de um lado, os rendimentos das classes média e baixa crescem e o desemprego não preocupa – 69% dos entrevistados consideram as perspectivas locais de emprego para os próximos 12 meses boas ou excelentes, segundo o levantamento da Nielsen. De outro, elas se preocupam em sair do vermelho. Daí vem o conflito, diz Claudio Czarnobai, analista de mercado da Nielsen. “O brasileiro se sente mais disposto a gastar ao mesmo tempo em que tenta controlar as dívidas, e as leva em paralelo”, afirma. Até cresce a consciência sobre a necessidade de colocar as contas em dia. Parar de gastar, entretanto, é uma decisão muito mais difícil e indesejada.
A perspectiva de inadimplência do consumidor recuou 0,8% em setembro segundo pesquisa divulgada pela Serasa na última sexta-feira. Os dados se somam a uma tendência de normalização da inadimplência, depois de um ciclo de alta iniciado em 2011. Segundo dados de setembro do Banco Central, a inadimplência das famílias para o crédito referencial, que considera atrasos superiores a 90 dias, ficou em 7,9% pelo terceiro mês consecutivo.
Para quem anseia por uma aceleração da economia, a boa notícia é que o terceiro trimestre marcou uma melhora de humor dos entrevistados com relação ao próprio bolso, segundo a Nielsen. O índice de confiança do consumidor brasileiro subiu quatro pontos de um trimestre para o outro, chegando a 110, o sétimo maior dentre os países pesquisados. Na escala, o Brasil está no nível mais alto de confiança, com indicador maior do que 101. Países com índice entre 90 e 100 estão no nível médio e os abaixo de 89 são considerados pessimistas.
Os que percebem as finanças pessoais nos próximos 12 meses como boas ou excelentes chegaram a 77%, o maior percentual da América Latina, um avanço significativo em relação aos 73% do segundo trimestre. O otimismo não atingiu o nível de igual período do ano passado, quando o índice era de 78%, mas a disposição para gastar parece ter ganhado fôlego.
O crescimento do otimismo tem um componente sazonal, diz Czarnobai, pela aproximação das festas de fim de ano, das férias escolares e do décimo terceiro. Mas, afirma, há mais do que isso. “Havia um clima de maior incerteza, em que não se sabia o quanto a crise europeia iria impactar a economia. Agora o clima é mais favorável e já começamos a ver o mercado reagindo, com o brasileiro mais disposto a gastar”, afirma.
A pesquisa do terceiro trimestre mostrou também um crescimento no percentual de entrevistados que considera os próximos 12 meses uma época boa ou excelente para comprar o que deseja ou precisa. Ainda é a minoria, 43%, mas o índice cresceu seis pontos percentuais ante o segundo trimestre – e é também o maior da América Latina.
A maioria dos entrevistados, 69%, afirmou ter mudado os gastos no terceiro trimestre, com relação ao mesmo período do ano passado, para reduzir as despesas domésticas. Menos do que os 72% do segundo trimestre. Os cortes de gastos mais citados foram com roupas novas, despesas telefônicas e entretenimento fora do lar. Parece que o período de aperto financeiro trouxe aprendizados. A intenção de negociar melhores condições em empréstimos, seguros e cartões de crédito, que assume a nona posição na lista, passa à quarta quando se pergunta que medidas o entrevistado pretende manter quando as condições econômicas melhorarem. Continuar a controlar a conta de telefone assume o primeiro lugar.
É possível, sim, conciliar consumo e o pagamento de dívidas, diz o consultor financeiro Mauro Calil. “A saída é ter planejamento, o que significa colocar no papel sua capacidade de fazer dinheiro, que vai determinar sua capacidade de pagamento e de aproveitar a vida.” Para quem está endividado, mas não chegou ao ponto da inadimplência, ele sugere a criação de “compartimentos na caixa d”água”, ou seja, divisões dentro do orçamento. Mesmo que a fatia necessária para quitar dívidas seja alta, é possível ter uma reserva para o lazer.
Já para quem está no vermelho e não quer abrir mão do consumo, a alternativa, diz Calil, é aumentar os rendimentos. “Todo mundo pode dar aula de alguma coisa, escrever um livro e colocar na internet ou fazer um blog e colocar links patrocinados”. No livro “Separe uma Verba para ser Feliz”, Calil cita uma mulher de 60 anos que diz ganhar salário de gerente de multinacional fazendo crochê e tricô.
Interromper os gastos não essenciais até que as contas estejam em dia até poderia ser uma boa opção, mas costuma ser difícil fazê-lo, principalmente quando é preciso compartilhar a iniciativa com cônjuge e filhos. “A decisão drástica é muito pouco utilizada”, diz Calil.
Na luta entre quitar dívidas e gastar, são as reservas financeiras que ficam na pior, com percentuais tímidos. O número de entrevistados da Nielsen que apontou a intenção de colocar recursos na caderneta de poupança caiu de 11% para 10% do segundo trimestre para o terceiro. O objetivo de investir em fundos passou de 9% para 10%. Já na previdência privada, ainda que fracas, as intenções tiveram crescimento significativo, de 4% para 7%. Em 2012, até outubro, os fundos de previdência captaram R$ 24,14 bilhões segundo dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).
O brasileiro parece mais atento ao futuro ao citar como principal preocupação para os próximos seis meses o equilíbrio entre trabalho e vida, com 20% das respostas. Saúde vem em seguida, com 17%, e educação ou sustento dos filhos em terceiro, com 11%. “Os níveis de saúde e educação oferecidos pelo governo ainda estão muito aquém da expectativa do consumidor e ele se preocupa em direcionar gastos para isso”, diz Czarnobai. Ponto para os gestores de recursos que vêm apontado esses setores como boas oportunidades de investimento na bolsa. Nos vizinhos latinos, a estabilidade de emprego reveza com a criminalidade no primeiro lugar entre os fatores que tiram o sono dos entrevistados.
Fonte: Valor Econômico
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