Empresas usam as últimas descobertas da neurologia para produzir comerciais irresistíveis, que consigam penetrar na fronteira final: o seu cérebro.
Ao aos 60 anos de idade, você terá visto uma quantidade gigantesca de anúncios. Para ser mais exato, 2 milhões. São 90 propagandas por dia, todos os dias. Uma eternidade, 16 mil horas, vendo mensagens comerciais (tempo suficiente para fazer faculdade de medicina – duas vezes). E isso só contando as propagandas de TV. Some os anúncios que estão em todas as outras mídias, inclusive esta revista, e o número será ainda mais impressionante. O marketing é a trilha sonora da vida. O problema é que, quanto mais as empresas tentam martelar informações na sua cabeça, menos você dá atenção a elas: de cada 100 propagandas, 92 são sumariamente ignoradas ou esquecidas. Estamos esquecendo cada vez mais as coisas, e a neurologia tem uma explicação para isso (que até foi capa da SUPER, lembra?). Mas e se fosse possível usar as últimas descobertas sobre o cérebro para mudar o jeito de fazer publicidade, criando anúncios que sejam irresistíveis para a mente do consumidor? É possível, e já tem gente tentando fazer isso. Diversas multinacionais, da Mercedes-Benz ao McDonalds, já aderiram a esse novo marketing: o neuromarketing. Ele está cheio de conclusões surpreendentes, que vão mudar a sua maneira de enxergar as marcas e o consumo.
Apple ou Microsoft? Brahma ou Antarctica? Sadia ou Perdigão? Por que escolhemos uma marca e não outra? Em 2003, numa experiência que lançou as bases do neuromarketing, o neurologista americano Read Montague provou que essa decisão não é racional. Ele serviu Pepsi e Coca-Cola para um grupo de voluntários enquanto monitorava o cérebro deles. Quando a bebida vinha em copinhos brancos, sem identificação, deu empate. Metade das pessoas preferiu a Pepsi, e metade a Coca. E o cérebro de todas se comportou da mesma forma, com a atividade concentrada no putame ventral – área ligada à percepção de sabores gostosos. Já quando os voluntários foram informados de qual marca estavam tomando, tudo mudou. A maioria, 75%, passou a preferir a Coca. Que também teve um efeito diferente sobre o cérebro. A região dominante passou a ser o córtex medial, que está ligado às emoções. Ou seja: os voluntários passaram a ignorar o sabor da bebida, que seria o critério de decisão mais lógico, e escolheram o refrigerante de forma irracional. As marcas realmente afetam o discernimento das pessoas – as fazem tomar decisões que normalmente não tomariam. Mas por quê?
A explicação só viria depois, com uma série de estudos muito mais detalhados – em que vários grupos de cientistas das Universidades de Montreal (Canadá) e Warwick (Inglaterra) testaram 2 mil pessoas. No meio dessa multidão de voluntários, havia um grupo de freiras carmelitas. Pediu-se a elas que se concentrassem, rezassem e pensassem em Deus, e sua atividade cerebral foi gravada. Depois, outro grupo de pessoas foi exposto a imagens comerciais – logomarcas e fotos de produtos muito legais. Adivinhe o que aconteceu: seu cérebro se acendeu exatamente como o das freiras. “A pesquisa provou que, quando somos expostos a marcas como iPod, Ferrari e Guinness, temos as mesmas emoções geradas por símbolos religiosos como cruzes, rosários, a Virgem Maria e a Bíblia”, afirma o marqueteiro americano Martin Lindstrom, coordenador do estudo e autor do livro A Lógica do Consumo, que está sendo lançado no Brasil. Biologicamente, pensar numa marca é o mesmo que pensar em Deus. Consumir é o mesmo que rezar. Amém!
Cérebro à venda
Essa ideia ultraconsumista fez surgir dezenas de consultorias especializadas em neuromarketing, que juntam publicitários e cientistas e prestam serviços a grandes empresas – acredita-se que 20% das multinacionais estejam fazendo, ou já tenham feito, algum estudo de neuromarketing. A Mercedes ficou sabendo que as pessoas gostam de carros com cara de gente – pois, quando olhamos para a frente de um automóvel, usamos os mesmos circuitos cerebrais que processam rostos. O YouTube descobriu que, ao contrário do que poderia parecer, os usuários não se irritam com anúncios inseridos sobre os vídeos. E um emissora de TV inglesa constatou que, por algum motivo, as propagandas veiculadas de manhã têm mais impacto sobre o cérebro.
As pesquisas também estão descobrindo que as propagandas podem ter o efeito oposto ao que pretendem. As advertências impressas no verso dos maços de cigarro, por exemplo. Elas realmente evitam que os não fumantes adquiram o vício. Mas, com quem já fuma, têm o efeito contrário: aumentam a vontade de dar umas tragadas. Quando fumantes veem essas mensagens, seu núcleo accumbens dispara – é a mesma região do cérebro responsável pela vontade de fumar. Isso acontece porque os avisos estão associados ao ato de fumar: quando a pessoa se lembra deles, também se lembra da parte prazerosa do fumo.
Por falar em prazer, e o sexo? Por que tantas propagandas têm algum tipo de conteúdo ou insinuação sexual, mesmo quando isso nada tem a ver com o produto? Porque chama a atenção e convence. Você já deve ter ouvido a expressão sexo vende. Ela pode estar errada. Um estudo feito em 2007 pela Universidade de Londres constatou que, na prática, propagandas com mulheres e homens bonitos são menos lembradas pelos consumidores. “O sexo não vende. Na verdade, ele reduz a possibilidade de que os espectadores se lembrem da propaganda”, conclui a pesquisa, que também chegou a outras conclusões interessantes. Programas humorísticos ou violentos são ruins para os anunciantes, porque fazem as pessoas esquecer das propagandas, e dá mais resultado colocar anúncios em shows que não sejam relacionados ao que você quer vender (anunciar um carro num programa de culinária, por exemplo).
Nem todas as descobertas são positivas. Uma delas é perturbadora. As propagandas subliminares, que trazem mensagens escondidas (e parecem coisa de conspirador maluco), realmente fazem efeito sobre o cérebro. Sabe aquelas musiquinhas de fundo que tocam nas lojas? Elas podem ter mensagens escondidas. Numa experiência polêmica, 50 lojas de departamentos e supermercados dos EUA começaram a tocar músicas que continham uma mensagem subliminar: “Eu sou honesto, e não vou roubar”. Essa frase era repetida muito depressa, 150 vezes por minuto, e num tom extremamente baixo; ou seja, era completamente inaudível. Mas deu resultado: a quantidade de furtos caiu 37%. Um teste similar, só que com mensagens do tipo “comprar é bom”, aumentou as vendas em aproximadamente 15%. Não é agradável pensar que a publicidade possa agir no subconsciente e nos obrigar a consumir, sem que nem mesmo percebamos o que está acontecendo. Por isso, o neuromarketing também atraiu opositores. Uma ong americana fez campanha para convencer o Congresso dos EUA a proibir o uso de técnicas neurocientíficas na propaganda.
Não conseguiu. Seja como for, os neuromarqueteiros dizem que não há motivo para preocupação. “Se entendermos melhor o nosso comportamento irracional, nós [os consumidores] vamos ter mais controle, e não menos, sobre as nossas decisões de compra”, afirma Lindstrom. É verdade. E pensando assim, dá até vontade de ver uns anúncios, não? É só virar as páginas desta revista, ligar a TV ou entrar na internet. Eles estão em toda parte.
Fonte: Superinteressante
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