Comunidades movimentam R$ 63,2 bilhões por ano, diz Instituto Data Favela. Objetivo é aprofundar o entendimento de quem são esses moradores e mostrar suas potencialidades.
O Brasil tem hoje 11,7 milhões de pessoas que vivem em favelas e movimentam por ano R$ 63,2 bilhões. Embora essa população corresponda ao quinto maior estado do país atrás apenas de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Bahia, até bem pouco tempo atrás ela não era foco de atenção de pesquisas e não havia números e informações sobre esse universo, que gasta um valor superior à soma do consumo das famílias do Paraguai e da Bolívia juntas.
O estudo “Radiografia das Favelas Brasileiras” aponta estas e outras informações sobre este consumidor e pretende mostrar para as marcas que existe ali um mercado gigantesco que pode ser trabalhado. Organizada pelo Instituto Data Favela, fruto de uma parceria entre Renato Meirelles, Presidente do Instituto Data Popular, e Celso Athayde, fundador da Central Única das Favelas (Cufa), a pesquisa também pretende mostrar ao poder público que ainda há muito a ser feito para beneficiar esta parcela da população.
Chegar até este consumidor não é simples e as marcas precisam entender seus hábitos e aquilo que eles realmente valorizam. As parcerias que têm dado certo são as que incentivam o empreendedorismo e a geração de renda. “Os moradores das favelas têm uma visão clara de que, se a carteira assinada os trouxe até aqui, é o sonho de ser dono do próprio negócio que vai levá-los além. E esse desejo é gigantesco”, diz Renato Meirelles, Presidente do Instituto Data Popular e um dos idealizadores do Instituto Data Favela, em entrevista ao Mundo do Marketing.
Classe média é a maioria nas favelas
A nova classe média cresceu principalmente nas favelas e o aumento do emprego formal é o que tem feito a diferença, porque permite que as pessoas pensem no longo prazo. De 2003 para 2013, o número de moradores da favela na classe baixa foi de 65% para 32% e, a classe média, de 33% para 65%. Nesse mesmo período, o percentual de moradores inseridos no mercado de trabalho subiu de 49% para 54%. Entre eles, 49% possuem emprego formal, 22% têm emprego informal e 19% são autônomos.
Um dos reflexos dessa mudança se dá em relação ao uso da tecnologia. Cerca de 85% dos moradores das favelas possuem celular, sendo que 22% são smartphones. Entre os jovens de 16 a 29 anos, a participação é cerca de quatro vezes maior do que a dos adultos com 50 anos ou mais. Nove em cada 10 moradores utilizam plano pré-pago e 25% deles têm celulares com dois chips. Metade dos domicílios tem conexão com a internet, 57% com banda larga fixa/cabo, 25% com modem móvel 3G e 6% discada.
O computador de mesa é o aparelho usado por 66% dos internautas, seguido pelo celular com 41%, notebook ou netbook com 24% e tablet com 4%. Em relação às mídias sociais, 85% deles usam o Facebook. O Orkut aparece em segundo com 22%, o Twitter com 15%, WhatsApp com 12%, Instagram com 11% e LinkedIn com 4%. A primeira pesquisa do Data Favela foi realizada com 2.000 pessoas em 63 comunidades entre os dias 21 e 30 de setembro nas regiões metropolitanas de 10 estados e do Distrito Federal.
Empreendedorismo e oportunidades
Se o emprego formal e a renda cresceram, ainda faltam serviços bancários nas comunidades. Metade dos moradores é obrigada a sair das favelas para poder pagar seus boletos e cerca de 4,8 milhões não têm conta corrente. Nas regiões metropolitanas, 49% das pessoas possuem cartão de crédito, enquanto nas favelas o número é de 35%. “Poucas são as favelas como a Rocinha, no Rio de Janeiro, e Paraisópolis, em São Paulo, que têm banco. O desafio desse setor é estar presente é oferecer soluções para essas pessoas”, diz o Presidente do Instituto Data Popular.
Nove entre 10 habitantes de favelas costumam fazer compras em mercearias e padarias do bairro, que são, em geral, negócios de pessoas da própria comunidade. Assim, a renda fica no local, o que já não acontece na aquisição de eletroeletrônicos: 34% compram em bairro próximo e 40%, num distante. “A favela movimenta muito dinheiro e, para conseguirmos arranjar uma forma para que esse dinheiro a retroalimente, o caminho é o empreendedorismo. Ele será apenas o começo de uma revolução econômica dentro das comunidades”, prevê Renato Meirelles.
O empreendedorismo social é a aposta de Elias Tergilene, dono da rede de shoppings populares Uai. Junto com Celso Athayde, fundador da Cufa, ele se prepara para abrir o Shopping Favela no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, no final deste ano. A Cacau Show foi a primeira empresa a aderir à franquia social. “O que chamamos de shopping é uma infraestrutura urbana com altíssima capacidade de geração de emprego, renda e empreendedorismo na base das pirâmides das favelas. No sistema de franquia social, a empresa incuba o empreendedor da comunidade, faz com que ele seja um franqueado e sócio da marca e passe a vender os produtos lá”, comenta Elias Tergilene, em entrevista ao portal.
Consumo e cidadania
Com dados mais precisos e sofisticados, torna-se possível explicar as favelas sem se levar por representações estereotipadas como a de local do caos, da pobreza e da violência. “Quando se produzem números das comunidades, mostra-se a pluralidade de experiências, de formações e, principalmente, de potências a serem desenvolvidas, sejam econômicas, culturais ou políticas. Começamos a visualizar melhor que fenômeno é esse”, diz Jaílson Silva, Geógrafo e Fundador do Observatório das Favelas, em entrevista ao Mundo do Marketing.
As marcas devem olhar para estes espaços também como potenciais para o desenvolvimento de projetos de desenvolvimento social. Uma advertência feita é que, mais do que transformar o morador de favela em consumidor, é preciso que ele seja reconhecido em suas demandas fundamentais e tenha sua dignidade respeitada. “Enquanto as pessoas continuarem reduzidas à lógica de consumidores, vamos pensar que o significado da vida é o acesso ao consumo. Precisamos nos reconhecer primeiro como cidadãos. Somos cidadãos que consomem”, ressalta o Fundador do Observatório das Favelas.
Um dos propulsores para a expansão da cidadania entre este segmento da população é o empreendedorismo. Iniciativas como o Favela Shopping devem levar novas experiências de cidadania para as comunidades, influenciando o sentido da vida dessas pessoas. “Se conseguirmos avançar no reconhecimento de que a favela é cidade e que os moradores são cidadãos de direitos, poderemos pensar em novas possibilidades de sermos plenos, construindo um país que valorize a dignidade humana”, complementa Jaílson Silva.
Por: Mundo do Marketing
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