Desde o final de 2016, o paulistano Marcelo Sawczuk, 49, professor de inglês e tradutor, mantém a rotina de enviar aos amigos, por meio do WhatsApp, ofertas de produtos que vê nos supermercados.
A última dica desse detetive das pechinchas foi o filé mignon extra limpo, por R$ 29,90 o quilo, que encontrou no supermercado Pão de Açúcar em Pinheiros, zona Oeste de São Paulo, onde reside.
Antes da crise, o que mais chamava a atenção de Sawczuk eram as marcas, em vez de preços. Com uma redução de 40% nas encomendas de tradução, seu radar mudou de direção.
Agora, Sawczuk pesquisa preços em quatro supermercados no bairro antes de decidir por uma compra maior. Ele também abriu mão de marcas de alguns produtos, como farinha de trigo e leite.
“Marcas que antes eu torcia o nariz ao ver nas gôndolas, agora estão na despensa de casa”, conta.
Ítens de limpeza são exceções. Sawczuk chegou a se valer de marcas de segunda linha, mas acabou voltando para as líderes de mercado por conta de custo-benefício.
Os novos hábitos do professor de inglês foram identificados como tendência em levantamento nacional conduzido pela Kantar Worldpanel junto a 11,3 mil lares de brasileiros, que representam 53 milhões de famílias.
No ano passado, essas famílias consumiram o mesmo volume de alimentos, bebidas e produtos de higiene e limpeza de 2010 e 5,7% menos que em 2014.
Em valores deflacionados, os gastos dos consumidores com esses produtos subiram 13%, no período, mas diminuíram cerca de 1% em 2016 em relação a 2014, ano em que a recessão se tornou mais visível.
Pelo menos até o primeiro trimestre deste ano, esse cenário até piorou. De acordo com a Kantar, o volume de compras das mesmas linhas de produtos havia caído1,1%.
Em valores deflacionados houve alta de 14,1%, no período. Mas os pesquisadores da Kantar explicam que o aparentemente crescimento está relacionado à elevação de preços, não de volumes.
“Emprego, renda e inflação são os pilares do consumo. Com o orçamento apertado, o consumidor teve de fazer escolhas, comprar de maneira mais racional”, afirma Christine Pereira, diretora de negócios e marketing da Kantar.
Das compras realizadas em hipermercados e nos supermercados de vizinhança, 19% estavam em promoção ante 17% em 2015. Com a crise, esses percentuais só aumentam.
O preço voltou a ser um fator importante na decisão de compra. Mas, diferentemente de outras crises, o consumidor tem prestado atenção em custo-benefício dos produtos.
O professor de inglês, por exemplo, preferiu não abrir mão de marcas líderes de artigos de limpeza e fazer estoques quando encontra produtos em promoção.
“Para não trocar de marca, identificamos que as famílias estão buscando embalagens menores, especialmente no caso de alimentos e bebidas”, diz Christine.
Em contrapartida, no caso de produtos de limpeza, a clientela opta por embalagens maiores, mais econômicas e possíveis de ser estocadas, uma vez que os prazos de validade são mais longos.
A Kantar também identificou que alguns produtos que entraram na lista de compras quando a economia estava em expansão não saíram dos carrinhos, mesmo com a crise.
Azeite, água de coco e chá pronto para beber, por exemplo, fazem parte de um grupo de produtos que estão incorporados no consumo de parte das famílias.
“Ou porque são saudáveis ou porque o consumidor entende que merece a experiência do benefício desses produtos, já que teve, por exemplo, de cortar a ida a restaurantes”, diz ela.
Os condicionadores e as máscaras para o cabelo também entraram para esse grupo, com a diminuição na ida aos salões de beleza, e os congelados, devido à praticidade.
De acordo com a Kantar, até mesmo nas categorias de produtos básicos, os consumidores prestam mais a atenção se uma marca oferece mais benefícios do que outra.
“O consumidor pode não trocar o sabonete em barra pelo sabonete líquido, mas vê, entre os sabonetes em barra, qual oferece maior hidratação, por exemplo”, diz ela.
Canais de compra
As mudanças de hábitos de consumo tiveram impacto nos canais de compra. De 2013 a 2016, somente os atacarejos, de acordo com a Kantar, elevaram a base de compradores, em 60%, no período.
Todos os outros canais, como hipermercados, supermercados, varejo tradicional e farmácias enfrentaram queda na base de clientes, no período.
De acordo com a pesquisa da Kantar, de cada cem famílias, 41 fazem compras em supermercados e atacarejos, o que se traduz por mais 9 milhões de lares comprando nos dois canais, no período.
19% das famílias estão comprando em hipermercados e atacarejos – ou 3,2 milhões de lares a mais comprando nos dois canais, no período.
O consumidor utiliza hoje, em média, sete canais de compra . Eram, em média, cinco antes da crise.
Dependendo da necessidade do consumidor, diz Christine, cada canal tem a sua importância. Foi-se o tempo em que as famílias só utilizavam um tipo de loja para abastecer a casa.
Por isso, de acordo com ela, é importante que os lojistas, independentemente do local onde estão ou do tipo de loja que possuam, façam pesquisas para avaliar o perfil dos clientes de sua região.
Em uma loja de vizinhança, na qual o consumidor vai a pé, o melhor sortimento é de produtos com embalagens menores, tíquete médio diferenciado.
“Os comerciantes precisam saber quais os valores que as famílias de determinada região dão para cada linha de produto e o tipo de promoção que faz sentido para aquele público”, diz.
Isso explica porque, mesmo em meio à recessão, algumas empresas e marcas estão ganhando mercado.
As famílias estão em plena fase de adaptação a novos hábitos de consumo por conta do alto desemprego e da queda da renda, na avaliação de Cristina Panella, socióloga e especialista em planejamento e pesquisa.
“Somente neste ano os consumidores, especialmente de classes mais altas, estão admitindo que estão mudando de marca. Os atacarejos florecem porque vendem produtos mais baratos”, diz ela.
Se depender da confiança do brasileiro no emprego e n economia, os hábitos das famílias não devem mudar. O Índice de Confiança (INC) do consumidor, medido pela Associação Comercial de São Paulo (ACSP), atingiu 68 pontos em junho, o mesmo nivel de maio passado e dois pontos abaixo de junho de 2016.
Para Emílio Alfieri, economista da ACSP, o indicador está praticamente estável, no campo do pessimismo. O INC vai de zero a 200. Até 100 pontos, o índice indica pessimismo.
Apesar da crise política e econômica que o pais enfrenta, Alfieri acredita em recuperação do consumo nos próximo meses por conta da queda da inflação e dos juros, o que pode trazer alívio para o bolso dos consumidores.
De janeiro a maio deste ano, o movimento do comércio paulista caiu 3,6%. No ano passado, a queda foi de 13%. “Há, portanto, uma nítida tendência de recuperação do consumo.”
Mais pessimista, o economista Nelson Barrizzelli, consultor de varejo, diz que este será mais um ano perdido para o varejo. “A terrivel crise política deve puxar a economia para baixo”, diz ele.
Mesmo que haja uma melhora na recuperação do poder aquisitivo das famílias, na avaliação de Panella, a cautela com os gastos deve permanecer.
“Se eu sei que usando um aplicativo eu consigo pagar 30% mais barato a conta em um restaurante, porque eu vou em um restaurante para pagar a conta cheia?”, pergunta Panella.
Por: Diário do Comércio
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