A Apple supera a Microsoft em valor de mercado, premiando o espírito visionário e libertário de Steve Jobs
Luís Guilherme Barrucho e Larissa Tsuboi
Revista Veja – Edição 2167 – 02/06/2010
A Microsoft e a Apple vieram ao mundo praticamente ao mesmo tempo, em meados dos anos 1970, criadas na garagem de jovens estudantes. Mas as empresas trilharam caminhos paralelos. A Microsoft desenvolveu o sistema operacional mais popular do mundo e rapidamente se tornou uma das maiores corporações americanas, rivalizando com gigantes da velha indústria. A Apple, ao contrário, demorou a decolar. Fazia produtos inovadores, mas que vendiam pouco. Isso começou a mudar quando Steve Jobs, um de seus fundadores, que fora afastado nos anos 80, assumiu o comando criativo da empresa, em 1996. A Apple estava à beira da falência e só ganhou sobrevida porque recebeu um aporte de 150 milhões de dólares da Microsoft. Jobs iniciou o lançamento de produtos genuinamente revolucionários nas áreas que mais crescem na indústria de tecnologia. Primeiro com o iPod e a loja virtual iTunes. Depois vieram o iPhone e, agora, o iPad. Desde o início de 2005, o preço das ações da empresa foi multiplicado por oito. Na semana passada, a Apple alcançou o cume. Tornou-se a companhia de tecnologia mais valiosa do mundo, superando a Microsoft. Na sexta-feira, a empresa de Jobs tinha valor de mercado de 233 bilhões de dólares, contra 226 bilhões de dólares da companhia de Bill Gates.
A marca, para além da disputa pessoal entre os maiores gênios da nova economia, coroa a estratégia definida por Jobs. Quando ele retornou à Apple, tamanha era a descrença no futuro da empresa que Michael Dell, fundador da Dell, afirmou que o melhor a fazer era fechar as portas e devolver o dinheiro a seus acionistas. Hoje, a Dell vale um décimo da Apple. O mérito de Jobs foi ter a presciência do rumo que o mercado tomaria. Já foram comercializados 260 milhões de unidades do iPod, 50 milhões do iPhone e 1 milhão do iPad, o recém-lançado tablet da Apple, uma combinação de notebook com leitor digital. Como uma companhia cujo lucro é praticamente a metade do da Microsoft pode ser mais valiosa? Diz Marcelo Tripoli, da consultoria iThink: “O valor de mercado representa os ganhos que os investidores esperam ter no futuro”. E o futuro sorri para Jobs. Além da expansão nas vendas de seus aparelhos, há razões que tendem a mantê-las no topo. Jobs fez o que ninguém havia chegado perto de fazer antes: combinou excelência no hardware (o desenvolvimento das máquinas) e no software (os programas que as fazem funcionar). Um exemplo: a Apple vende o iPod (hardware) com um sistema operacional (software) próprio, o único a permitir o seu funcionamento. Jobs redefiniu ainda a indústria fonográfica com a iTunes Store, sua loja virtual. Já foram baixados, ao todo, mais de 10 bilhões de músicas pelo sistema.
A Microsoft, na contramão, perdeu vigor criativo. “A empresa não conseguiu antecipar tendências e ficou refém da venda de softwares”, afirma Alexandre Canatella, da consultoria e-Midia. Ainda assim, lucra bilhões com o Windows e o Office, programas presentes em nove de cada dez computadores do planeta. “Nenhuma companhia de tecnologia é mais lucrativa do que a nossa”, disse seu presidente, Steve Ballmer, na semana passada. Ele está certo. Mas isso pode mudar. Como se diz, mais difícil que alcançar o topo é permanecer ali. Esse é o seu desafio diário, como passa a ser também o de Jobs a partir de agora.
O “Vale do Suplício”
Na disputa mundial pela rentabilidade, a produção industrial tende a migrar para países em que os custos de produção sejam mais baixos. Parte do crescimento extraordinário da China vem daí. Os cobiçados aparelhos da Apple são desenhados na sede da empresa, em Cupertino, no coração do Vale do Silício americano. Mas os iPods e iPhones são efetivamente fabricados por empresas asiáticas. A mão de obra chinesa é barata e, em geral, disposta a trabalhar até a extenuação. As greves são raras, mesmo porque manifestações acabam sufocadas pela linha dura comunista. Apesar da repressão, no entanto, o clima de insatisfação tem aumentado. Operários da Honda entraram em greve, reivindicando aumento salarial. Outra manifestação do descontentamento dos chineses ficou evidente na semana passada com a notícia do suicídio de dois funcionários da Foxconn, a maior fabricante de componentes eletrônicos do mundo. Ambos se atiraram do topo da fábrica do grupo em Shenzen, no sul da China. Desde o início do ano, dez trabalhadores da empresa tiveram o mesmo fim. A Foxconn é uma das principais fornecedoras da Apple, para a qual fabrica o iPhone, além de outras companhias, como Hewlett-Packard, Dell, LG e Samsung. Seus empregados, em geral jovens vindos do interior, recebem salário inicial não superior a 1 900 iuanes (cerca de 500 reais) e trabalham, de pé, doze horas por dia, não raro sete dias por semana. As condições são similares às de outras fábricas localizadas no Delta do Rio das Pérolas. É o “Vale do Suplício” dos trabalhadores chineses. Os suicídios, ao menos, chamaram a atenção das empresas americanas, que temem ter suas marcas associadas à exploração dos trabalhadores chineses. Quem sabe seja o início do fim desse suplício. |
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