Bem-vindo ao mundo dos DINC

Eles já dominam mais de 16% dos lares brasileiros no século 21 e só aumentam. Pesquisa da ESPM-Sul, publicada com exclusividade pelo JC Empresas & Negócios, escrutinou o mundo dos DINC – casais com dupla renda e sem filhos.

Na hora de jantar fora, o casal porto-alegrense Roberta Teixeira e Cristiano Cardoso busca lugares mais reservados e intimistas na Capital. Roberta, administradora, revela que um dos prazeres é poder acordar nas manhãs de sábado e partir em viagem com o marido, formado em Comércio Exterior e editor de uma revista de esportes e turismo. O destino pode ser a Serra gaúcha, onde os dois buscam pousadas mais restritas, preferencialmente sem o vai e vem das crianças. Não que o casal, junto há mais de 15 anos, não goste de crianças, mas têm de ser a dos outros. Como a sobrinha e afilhada Julia, com seis anos, que já elegeu a dinda como a melhor amiga adulta, conta a administradora.

A liberdade que o casal valoriza ao extremo só é possível porque na rotina não há o envolvimento com filhos e esta realidade foi uma opção. “Filhos nunca fizeram parte de nossos planos. Hoje me vejo bem velhinha e com o Cris”, confessa Roberta. “Pretendemos fazer três viagens neste ano. Como faríamos isso se não fôssemos só nós dois?”, indaga o editor. A família que se enquadra no conceito dos DINC – duplo ingresso (de renda) e nenhuma criança – entrou no radar das professoras e pesquisadoras da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM-Sul), Liliane Antunes Rohde e Iara Silva da Silva, que mergulharam nos hábitos e prioridades dessas novas famílias.

As especialistas investigaram em 2011 as preferências de 150 pessoas, que formavam 75 casais DINC com residência em Porto Alegre. Seguindo a estrutura de renda que desponta nos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Liliane a Iara investigaram perfis de classes A e B. Depois de aplicar questionários na pesquisa quantitativa, a dupla ouviu sete casais para afinar o conhecimento desses grupos. “Eles não têm filhos por opção”, destaca Liliane.

As pesquisadoras conseguiram traçar um perfil que ainda é inédito em muitos mercados. Mesmo no Brasil, não há estudos que captaram tantas particularidades. A meta era traçar as influências e prioridades para que mercados possam explorar mais esta nova família. “Eles são fruto da pós-modernidade, que privilegia o individual. O poder ir e vir deu origem a uma geração que faz esta escolha com propriedade, mais calma e menos culpa”, completa Iara. Outra característica é que a maioria é oriunda de famílias de filho único ou com mais integrantes mas nas quais poucos têm filhos. Cristiano Cardoso tem dois irmãos e nenhum enveredou pela paternidade. Já Roberta tem uma irmã, mãe de Julia.

Os dados apontam claramente a preferência de tempo e investimento para a carreira profissional, dedicação ao trabalho e ao convívio a dois, principalmente após o trabalho e nos fins de semana. Roberta e Cardoso fazem valer este retrato. Segundo o casal, raramente se encontram durante o dia, e reservam a noite para saídas, como cinema e jantar fora. Fins de semana combinam atividades culturais.

As professoras de ESPM-Sul restringiram o foco do estudo a parceiros heterossexuais. “Sabemos que os DINC abrangem ainda gays ou mesmo casais que criaram seus filhos, mas hoje moram sozinhos”, esclarece Iara.

Os DINC representam 16,2% dos domicílios brasileiros, segundo o IBGE, com base em 2009. Em 1992, eram 11,7%. José Eustáquio Diniz Alves, professor da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE, relaciona a mutação do perfil familiar ao novo papel feminino, que saiu para trabalhar e avançou em direitos. Entre eles, autonomia para escolher se vai ou não viver a maternidade. “A mulher mudou o foco para a carreira”, confronta.

Para Alves, os DINC têm como marca a disponibilidade maior de renda, que é dirigida a consumo, educação e lazer. O grupo familiar valoriza a tecnologia. “A decisão é ter filho ou comprar um Ipad”, contrasta o professor, com certo exagero, admite. Já o temor de que a natalidade pode cair a níveis preocupantes, o especialista ameniza e cita que o Censo de 2010 indicou que a taxa de fecundidade está abaixo da medida de reposição. Deveria ser de 2,1 filhos por família e caiu a 1,86 filho por domicílio. “É um movimento sem volta, só não pode se perpetuar.”

Fonte: José Eustáquio Alves/PNAD/IBGE

 

Site apresenta dicas a adeptos da tendência

No Brasil, o jeito de viver dos casais sem filhos com duas rendas ganhou site. O publicitário carioca Edson Scorcelli, casado e sem filhos, lançou o espaço em 2007 e virou atrativo para os mais variados hits que costumam interessar a estas famílias. De cinema, carreira até dilemas existenciais, o www.casaissemfilhos.com multiplica informações do mundo DINC. O publicitário esclarece que ele e a mulher Claudia, que é dentista, não podem ter filhos, e acabaram estruturando a rotina, as escolhas e os investimentos de acordo com a situação.

Claudia é reservada, mas Scorcelli está sempre pronto a dar dicas. Criou até personganes, como o Tio Flavio, que se diverte com os sobrinhos. “É o cara que tenta conquistar os filhos dos irmãos”, descreve. Em outra seção, há perguntas e respostas mais frequentes, normalmente ligadas a provocações de familiares sobre a opção de não ter rebentos. “A vida moderna e a competição nas carreiras levam as pessoas a adiar a ideia de ter filhos. Quando vão decidir, o tempo passou”, conclui. O site tem mais de dois mil acessos mensais e poderia ser turbinado caso anunciantes percebessem o nicho de consumidores.

Casais sem filhos estão na mira do mercado

As preciosidades sobre o estilo de vida dos pesquisados emergiram no grupo seleto de sete casais que aceitaram encarar entrevistas pessoais com Liliane Antunes Rohde e Iara Silva da Silva. Para as duas, que seguem o padrão de relacionamento com seus maridos, as conversas reforçaram o zelo pela individualidade, mas ao mesmo tempo pela divisão de tarefas domésticas. A dupla fez questão de conhecer o interior das moradias, investigar o que tinham em despensas e refrigerador, como era o banheiro e a proporção de espaços e sua ocupação.

“A casa é o lugar mais importante e onde escolheram estar”, avisa Liliane. No levantamento quantitativo, 63% dos casais disseram gostar de receber amigos na residência. O local é o preferido para quase 70% dos ouvidos. Almoçar fora mais de uma vez na semana é um hábito predominante, por isso ter muitos alimentos ou mesmo estoque de produtos é um evento raro.

Quando é para fazer as compras, o homem assume a função. Liliane adverte que o DNA do consumidor masculino que vai ao supermercado é bem diferente do da mulher: ele leva lista, é objetivo e resolve tudo em 30 minutos. “Quando o marido vai a esses estabelecimentos, é porque ele compra o que pretende cozinhar”, descreve Iara.

As professoras da ESPM-Sul alertam que os achados do estudo servem para mostrar que o modelo de mix de produtos e marketing de segmentos como supermercados e shopping centers ignoram em geral as novas nuances das famílias brasileiras. “No supermercado, a linguagem é mamãe, papai, crianças e cachorro. Nos grandes centros comerciais, são raros os espaços voltados aos DINC”, alegam.

Com renda para aplicar em cinema, shows, livros e programas com foco em conhecimento, os casais se habilitam a ser clientes de empreendimentos que reúnam estes atrativos. São iniciativas apetitosas a quem atua com marketing cultural. Liliane lamenta que Porto Alegre tenha poucas opções de lazer com estes perfis. Publicações impressas têm aceitação, reforçada pela leitura de um livro ao mês e em média oito ao ano. As professoras atentam para os focos de interesse, liderados pela área de atuação profissional.

A vez da nova família

Gaúchos não abrem mão de um imóvel com churrasqueira. Certo? Se for um típico exemplar DINC (casais com dupla renda e sem crianças), o modelito pode não servir. Eles preferem as cozinhas gourmets, nas quais os homens comandam a alquimia da culinária. Esta última característica do modelo de família foi rastreada na pesquisa das professoras da ESPM-Sul, Iara Silva da Silva e Liliane Antunes Rohde. Mas o mito da instalação para fazer o assado típico da porção mais ao Sul do Brasil quem derrubou foi o engenheiro civil e dono da Smart, Carlos Eduado Voegeli. Ao desenvolver um empreendimento voltado à clientela, Voegeli sondou potenciais candidatos a um dos seus lofts e, entre casais, a preferência passou longe do churrasco em casa.

Muita tecnologia, arquitetura, funcionalidade e individualidade moldaram o primeiro empreendimento da construtora neste nicho. Mais dois estão a caminho e seguirão a receita. Das sete unidades do loft erguido na rua Amélia Teles, no bairro Petrópolis, quatro foram arrematadas por DINC. Nos empreendimentos, não há desperdício de espaço e muito menos área social. Playground, salão de festa ou piscina condominial são banidos.

Mas há pé direito de 2,8 metros de altura, amplas janelas com vidros duplos para isolamento acústico, iluminação monitorada por computador, piso aquecido controlado eletronicamente, banheiro cujo chuveiro está no teto, seguindo padrão americano e inglês.

“Os DINC não são atendidos pelo mercado, que pensa grandes empreendimentos voltados à chamada família margarina – casal, filhos e cachorro”, observa o construtor. “É um nicho que tem de ser atendido também”, indica Voegeli, que considera o desafio um prato cheio a pequenas construtoras.

Patrícia Longhi, sócia-diretora da 2day Estudos de Mercado e consultora no segmento imobiliário, diz que existem apenas seis edifícios com o perfil típico do empreendimento da Smart. “Normalmente este público de renda mais elevada quer uma moradia bacana, charmosa, em um endereço de bairro nobre, com conveniência e possibilidade de personalizar seu projeto”, dá a pista Patrícia.

Hospedagens mais intimistas, com geram ambiente propício ao romantismo e com perfil que costuma não atrair famílias tradicionais, estão na rota de programas dos DINC. Algumas proíbem crianças na região, mas são raros os casos. Na pousada Quinta dos Marques, que ocupa um casarão restaurado dos anos de 1930 em Canela, filhos menores não são vetados, mas há uma demarcação de terreno, ou melhor, de temporadas. Nos meses que escapam do grande movimento de julho e fim de ano, do Natal Luz, casais costumam ocupar os 13 quartos, que abusam de sutilezas, como decoração e aromas exclusivos para cada espaço.

Os trunfos da natureza e do cardápio com ofurô e outros quitutes de relaxamento são bem acessados. “Eles dedicam muito tempo a aproveitar o que oferecemos”, salienta o proprietário Sergio Paulo Marques.

Mas, mesmo com todos os adereços que seduzem os DINC, segundo a pesquisa das professoras da ESPM-Sul, Marques admite que a região poderia diversificar com opções de lazer, como bares com música ou eventos culturais ao gosto desses casais. “Muitos se queixam da falta de variedade de entretenimento”, admite o empresário do ramo hoteleiro.

Na publicidade, o desafio é incluir a tendência de avanço da nova família.

Para o sócio-diretor da agência Paim, que comanda as contas da Lojas Renner, Camicado e rede Walmart, Rodrigo Pinto, a saída é desenvolver campanhas que contemplem maior variedade de públicos. “Quando vai retratar em peças é mais uma família a ser considerada. Isto já provoca mudanças. A publicidade não pode fingir que eles não existem”, analisa. Canais de comunicação como redes sociais e marketing direto, em pontos de venda, podem ter mais eficiência e resposta aos anunciantes. Sinal de que os DINC estão cada vez mais presentes é a clássica cena do supermercado. Homens e mulheres empurrando o carrinho mostram que a família margarina pode estar com os dias contados.

Fonte: Jornal do Comércio

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About the Author:

Mestre em Economia, especialização em gestão financeira e controladoria, além de MBA em Marketing. Experiência focada em gestão de inteligência competitiva, trade marketing e risco de crédito. Focado no desenvolvimento de estudos de cenários para a tomada de decisão em nível estratégico. Vivência internacional e fluência em inglês e espanhol. Autor do livro: Por Que Me Endivido? - Dicas para entender o endividamento e sair dele.

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