Pesquisa do Data Favela revela a força econômica e os hábitos de consumo de mais de 17 milhões de moradores das periferias.
Mais de 17 milhões de brasileiros vivem atualmente em favelas e periferias. Juntos, esses consumidores movimentam cerca de R$ 300 bilhões por ano em renda própria. O montante supera o Produto Interno Bruto de 22 dos 26 estados do País, segundo levantamento realizado pelo Instituto Data Favela. A pesquisa, feita com 16,5 mil moradores, aponta o papel estratégico desses territórios na economia nacional e revela seus hábitos de consumo, desejos, prioridades e aspirações.
“Estamos falando de um território que soma mais de R$ 300 bi em renda própria por ano. É mais do que o PIB anual de muitos estados. A favela não é carência, é mercado. Um mercado que compra, constrói, investe e transforma. Ignorar essa força é abrir mão de relevância econômica no Brasil real”, afirma Renato Meirelles, fundador do Data Favela.
Atualmente, o Brasil possui 12,3 mil favelas mapeadas, que concentram cerca de 6,6 milhões de domicílios, o equivalente a 8% dos lares brasileiros. Se reunida em um único estado, essa população seria a terceira maior do País, atrás apenas de São Paulo e Minas Gerais.
Consumo com propósito e autoestima
Os dados do estudo desmontam a ideia de que o consumo nas favelas é limitado ou impulsivo. Pelo contrário, 85% dos entrevistados afirmam que economizar e conquistar algo com esforço pessoal é motivo de orgulho. Cerca de 80% dizem que tentam comprar produtos que não puderam ter na juventude, e mais da metade já passou por constrangimento por não ter um item “da moda” ou de marca conhecida.
A valorização da aparência também é um traço marcante entre os consumidores desses territórios. Sete em cada dez moradores pretendem comprar roupas nos próximos seis meses. Perfumes (60%), produtos de beleza (51%), eletrodomésticos e materiais de construção também estão entre as prioridades. A busca por formação também se destaca: 43% desejam investir em cursos e 29% em idiomas. Na Região Norte, a intenção de compra é ainda mais forte, com índices superiores à média nacional.
“O desejo de consumo está vivo nas favelas, e pulsa em todas as categorias, do vestuário à educação. Quem vive nesses territórios quer comprar, renovar a casa, se cuidar, investir no futuro. Eles agem com planejamento, buscam alternativas e priorizam o que faz sentido no dia a dia. Mas é preciso ir além da venda: olhar para esses territórios com respeito e com escuta. Quando a favela se vê representada na comunicação, no atendimento e nas vitrines, ela consome com a certeza de que aquele espaço também foi feito para ela”, aponta Meirelles.
A autoestima dos moradores se expressa não apenas nos hábitos de consumo, mas na forma como se veem. Para 77%, cuidar da imagem é algo importante; 57% consideram cosméticos itens de primeira necessidade e 37% acreditam que uma boa aparência pode abrir portas profissionais. As redes sociais têm papel relevante nessa jornada: 63% acompanham tutoriais de beleza e 57% se inspiram em influenciadores com histórias semelhantes às suas.
Otimismo e pertencimento
A pesquisa também mostra que, mesmo diante de desafios estruturais, há um forte sentimento de otimismo e pertencimento entre os moradores de favelas. Nove em cada dez acreditam que sua vida vai melhorar no próximo ano, sendo o próprio esforço apontado por 56% como principal motor da mudança. A fé também tem peso significativo (19%), enquanto apenas 11% creditam ao governo a responsabilidade pelas melhorias.
“Esta pesquisa ajuda a desconstruir inúmeros estereótipos. Quem enxerga a favela apenas pela ótica da carência está olhando com a perspectiva errada. Aqui há pessoas que trabalham, que movimentam bilhões e que desejam muito mais”, reforça Marcus Vinícius Athayde, presidente da CUFA (Central Única das Favelas), parceira do levantamento.
A grande maioria sente orgulho de onde mora (94%) e destaca o senso de solidariedade como traço marcante desses territórios: 87% dizem que “todo mundo ajuda todo mundo”.
Ainda assim, há demandas urgentes. Quando questionados sobre o que mais desejam ver melhorado em suas comunidades, os moradores citam habitação (19%), acesso à saúde (18%), segurança (18%) e infraestrutura básica (14%), como esgoto e iluminação. Respeito aos moradores, mais opções de lazer, escolas e transporte também aparecem entre as prioridades.
E-commerce, marcas e o custo-benefício
A pesquisa mostra ainda que a presença digital já é parte da rotina: 6 em cada 10 moradores compram em marketplaces, com destaque para Shopee, Mercado Livre e Shein. No entanto, os desafios logísticos persistem: 60% já enfrentaram atrasos nas entregas, 20% deixaram de receber encomendas por problemas de endereço e um terço foi vítima de golpes digitais.
A busca por custo-benefício guia as decisões de compra. Para 83%, encontrar produtos mais baratos com a mesma qualidade dos mais caros é motivo de orgulho. As marcas, nesse contexto, funcionam como garantias de qualidade e segurança. Quase 90% valorizam um bom atendimento, e 42% estão dispostos a pagar mais por essa experiência. Sustentabilidade também é critério: 86% valorizam práticas responsáveis e 41% aceitariam pagar mais por produtos sustentáveis.
“O preço é ponto de partida, mas nunca o único critério. Quem vive nesses territórios sabe o valor de cada real gasto e, por isso, valoriza qualidade, praticidade e durabilidade”, resume Meirelles. “Consumir bem não é só economizar, é se sentir inteligente pela decisão tomada.”
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