Mulher “nem-nem” é dona de casa e mora no campo, aponta estudo

Um estudo sobre a geração “nem-nem” feito por dois economistas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) mostra que mulheres com filhos e que vivem no meio rural têm maiores chances de serem jovens que não estudam e nem trabalham no Brasil.

Feito a partir do cruzamento de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad, 2011) e apresentado no congresso da Anpec-Sul, no mês passado, o estudo demonstra que há um forte viés de gênero na problemática dos “nem-nem” e também uma interferência relacionada ao meio onde as mulheres vivem, se rural ou urbano.

A pesquisa foi realizada pelo doutorando Eduardo Tillmann e pelo professor de economia da UFRGS Flavio Comim.

Os economistas identificaram que 60% das “nem-nem” possuem pelo menos um filho. No estudo, destacam que ser mãe ou assumir a tarefa de cuidar de irmãos mais novos estão entre as principais variáveis que aumentam as chances de a jovem se tornar “nem-nem”. “A gravidez na adolescência está associada ao abandono da escola, à baixa escolaridade e à dificuldade de inserção no mercado de trabalho”, relatam.

Além disso, a probabilidade de a jovem ser “nem-nem” também se relaciona com a escolaridade dos seus pais. Pais com menor escolaridade aumentam as chances de as filhas serem “nem-nem”. Já pais com nível superior aumentam as chances de a jovem estar estudando, diz a pesquisa.

Sobre o efeito do meio rural, os pesquisadores destacaram que em países sul-americanos é justamente no rural onde os jovens têm mais dificuldade de acesso a bens e serviços, o que restringe o acesso à escola e o ingresso no mercado de trabalho, fazendo com que haja maior volume de “nem-nem”. Além disso, eles ressaltaram que o ambiente rural está geralmente associado a uma menor renda familiar e a uma menor escolaridade dos pais, o que perpetua essas dificuldades e acaba servindo como combustível para o aumento do contingente de “nem-nem”.

Haroldo Torres, economista da Fundação Seade, afirma que faz sentido as jovens “nem-nem” serem principalmente mulheres casadas ou com filho. Sobre a interferência da questão rural na geração “nem-nem”, segundo ele, isso pode estar relacionado com um mercado de trabalho menos dinâmico no interior do país do que nas metrópoles.

Torres pondera, no entanto, dois problemas em pesquisas sobre jovens “nem-nem”. Ele considera que é importante identificar se o jovem, de fato, é ou está “nem-nem” – e um retrato com dados de apenas um ano não traz isso, sendo necessária uma pesquisa de mais longo prazo. Um segundo aspecto é que o Brasil é um país heterogêneo e ao se fazer um radiografia mais geral são desconsideradas características específicas das regiões, e essas particularidades são importantes quando se pensa em proposição de políticas públicas a esse perfil.

O estudo da UFRGS identificou também que a maior parte das mulheres que são consideradas “nem-nem” na verdade trabalha nos serviços de casa. Quando se considera o trabalho doméstico como uma ocupação, uma parte significativa das mulheres deixa o grupo das “nem-nem”. De 13.334 (ou 28,6% do total das mulheres pela Pnad), as que não trabalham nem estudam caem para apenas 1.153 ou 2,5% do total.

Na avaliação dos pesquisadores, o trabalho doméstico é tão prejudicial à escolaridade quanto ao ingresso no mercado de trabalho. “Ao não serem consideradas as tarefas domésticas como trabalho, algumas particularidades dessas jovens são negligenciadas”, explica Tillmann.

A identificação mais precisa desse perfil indica que para reduzir a população “nem-nem” – que pode ser um problema para o desenvolvimento do país – seriam mais eficazes políticas públicas direcionadas a mulheres (rural, casada e com filhos). “Uma política pública para ofertar trabalho para as jovens pode não ser eficaz, porque, mesmo com essa política, elas podem não entrar no mercado de trabalho porque têm de cuidar do filho”, diz Tillmann. “O interessante como política pública seria facilitar que essas mulheres conseguissem distribuir melhor o tempo, como ter creches, escolas em tempo integral e postos de saúde no bairro. Isso faz com que a preocupação delas com o filho diminua e consigam ter mais tempo para desempenhar outras tarefas”, acrescenta.

Os resultados também indicam que há ainda desigualdades de condições entre homens e mulheres no Brasil no mercado de trabalho, uma vez que afazeres domésticos limitam o tempo e o esforço das mulheres que poderiam ser dedicados ao trabalho.

A pesquisadora Joana Monteiro, do Ibre/FGV, acredita que a permanência da mulher em casa, para cuidar dos filhos, é ainda um aspecto cultural forte da sociedade brasileira. “Não se pode dizer que é um absurdo haver donas de casa no Brasil”, pondera. Diferentemente das principais sinalizações que estão no estudo da UFRGS, para ela, a preocupação dos agentes públicos deve se voltar para o segundo grande grupo que compõe os “nem-nem”, formado por pessoas (tanto homens quanto mulheres) de baixa renda, com pouca qualificação, que não participam do mercado de trabalho e decidem parar de estudar. “Eles são resultado de um problema social mais sério”, afirma.

Por: Valor Econômico

By | 2017-05-28T10:08:28-03:00 18 setembro, 2014|Categories: Mercado, Pesquisas|Tags: , , , |0 Comments

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Mestre em Economia, especialização em gestão financeira e controladoria, além de MBA em Marketing. Experiência focada em gestão de inteligência competitiva, trade marketing e risco de crédito. Focado no desenvolvimento de estudos de cenários para a tomada de decisão em nível estratégico. Vivência internacional e fluência em inglês e espanhol. Autor do livro: Por Que Me Endivido? - Dicas para entender o endividamento e sair dele.

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