Antropólogos evolucionistas do século 19, fortemente influenciados pelas ideias do suíço Johann Bachofen, defenderam a existência de organizações sociais femininas, as sociedades matriarcais. Com a introdução do princípio de propriedade privada, o modelo matriarcal ruiu, abrindo espaço para a consolidação do patriarcado. Entretanto, o mundo contemporâneo dá sinais de que o poder está voltando para as mãos femininas – pelo menos, no tocante ao consumo.
Hoje, as mulheres são responsáveis, em média, por 66% das decisões de compra nos lares brasileiros, movimentando cerca de R$ 1,3 trilhão por ano. Entre as decisões de consumo – que têm impacto nas compras da família – estão alimentação, plano de saúde, vestimenta e educação. Mas, qual é a relação que as mulheres mantêm com o consumo e como seria o atendimento ao cliente em uma sociedade construída por elas? Para responder a essas questões, a Shopper Experience conduziu uma pesquisa com mulheres paulistanas.
Um dos destaques dessa pesquisa qualitativa foi a criação de um focus group – composto por paulistanas das classes A e B, com idades entre 25 anos e 42 anos. Em uma segunda etapa, as respostas e dinâmicas do grupo foram analisadas e comparadas com experiências pessoais das profissionais de destaque nos segmentos no qual atuam que integraram um comitê especial, formado por Cristiane Paixão (Fiat); Gisela Constantini (General Motors); Claudia Neves (Grupo Fleury); Carolina Rocha (Grupo Pão de Açúcar); Jaqueline Marzola (Mercedes Benz); Tanyze Marconato (Porto Seguro); e Patrícia Abreu (Anhanguera) – mediado por Stella Kochen Susskind, presidente da Shopper Experience e uma das principais especialistas brasileiras em atendimento ao cliente. “A seleção criteriosa das participantes do comitê especial – mulheres que assumem postos de liderança em diferentes segmentos – foi determinante para termos uma pesquisa relevante, que aponta o que as mulheres pensam sobre o atendimento ao cliente prestado por bancos, concessionárias e supermercados, além de revelarem como seriam esses estabelecimentos em um mundo criado por elas”, detalha a executiva.
Segundo a coordenadora da pesquisa, a insatisfação com produtos e serviços é maior entre as mulheres – até por uma questão matemática. São elas que, diariamente, tomam grande parte das decisões de consumo da família. A pesquisa mostra que essa insatisfação alcança patamares elevados pela própria natureza da mulher. “Quando compra um produto alimentício para os filhos, por exemplo, se a marca não cumprir o que promete, essa consumidora vai até as últimas instâncias para reclamar e fazer valer os seus direitos. Além disso, o alto poder influenciador entre amigos, familiares e nas redes sociais pode comprometer a imagem das marcas”, analisa. Stella acrescenta que essas mulheres estão educando novos consumidores. “Para elas, a educação dos filhos é pautada pelo ensino de valores morais; respeito ao próximo e a si; e sustentabilidade. É nesse contexto que está o consumo responsável”, afirma a especialista.
O mundo de Vênus
Diante da constatação de que produtos, serviços e marcas estão muito aquém da expectativa da consumidora, a pesquisa questionou as entrevistadas sobre como seria o mundo ideal; um mundo criado e gerido por mulheres. A coordenadora da pesquisa afirma que o mundo hipoteticamente feminino é permeado por atributos como sensibilidade, sabedoria, senso de justiça, cautela, maturidade, equilíbrio entre o racional e o emocional – características que são associadas às mulheres.
Ao descrever o que seria uma experiência de consumo no mundo ideal, as consumidoras afirmam sonhar com um ambiente confortável e acolhedor; um local com uma decoração moderna. As vitrines têm sempre os preços bem visíveis; os produtos estão à vista, separados por tamanhos e cores. Nesse mundo hipotético, os atendentes do varejo as deixam à vontade, mas estão sempre por perto para tirar eventuais dúvidas sobre questões técnicas. O vendedor do sonho delas sabe identificar a real necessidade de consumo; faz o papel de orientador-consultor, sem empurrar produtos e serviços desnecessários, não alinhados ao perfil de consumo dessa mulher. Esses vendedores são profissionais que se preocupam com o bem-estar de clientes de diferentes perfis e realizam um atendimento personalizado.
E o que as mulheres não suportam e que seria eliminado nesse mundo ideal? Elas detestam vendedores que trazem produtos que não foram pedidos! Um dos pesadelos citados pelas entrevistadas é a antiga cena do vendedor de sapatos que desce do estoque com oito ou nove caixas empilhadas. No momento da compra, as mulheres querem ser tratadas como únicas.
“Quando descrevem os bancos ideais, o ponto crucial está no atendimento. As mulheres querem que todos os clientes sejam tratados como pessoas; não números. Na prática, um atendimento premium para todos”, afirma Stella, acrescentando que embora aceitem a existência de filas no “mundo de Vênus”, elas não devem ser extensas. O ambiente não deve ter um ar condicionado gélido; tem que ter um espaço para sentar confortavelmente, tomar água e, eventualmente, ir ao banheiro. “As mulheres são tão detalhistas que citaram o posicionamento dos caixas eletrônicos. Na percepção feminina, devem ser posicionados de forma que não seja possível ver a operação de outro cliente. Uma medida para manter mais segurança”, conta Stella. E elas querem mais! Um gancho, no autoatendimento, para pendurar a bolsa seria muito bem-vindo.
As lojas e supermercados do mundo ideal não possuem filas. Os produtos anunciados em folhetos e promoções existem de fato na loja; os preços dos produtos não precisariam ser conferidos, pois os preços das gôndolas são exatamente os preços no caixa. Equipes bem dimensionadas e atendentes à disposição. Aquela história de ter 10 caixas e apenas quatro funcionando, definitivamente não existe! O carrinho de compras teria uma calculadora para facilitar o controle dos gastos. Como a ida ao supermercado demanda uma infinidade de operações – retirar os produtos das gôndolas, colocar no carrinho, retirar do carrinho para passar no caixa, recolocar no carrinho e levar até o estacionamento, retirar do carrinho para colocar as compras no automóvel, retirar do automóvel, levar até a cozinha e guardar as compras – no mundo ideal haveria um funcionário designado a passar as compras no caixa. Enquanto isso, a consumidora desfruta de serviços como manicure, sala para as crianças brincarem, cabelereiro, café e degustação de produtos. As sacolas retornáveis, sempre esquecidas pelas mulheres na hora da compra, não seriam uma preocupação a mais. É responsabilidade do varejista pensar em uma alternativa ecologicamente correta e confortável para o consumidor.
Nas lojas, música ambiente em um volume agradável e relaxante; um cheiro cítrico toma conta do ar. Nos varejos de roupas, o provador teria o tamanho suficiente para acomodar duas mulheres – a consumidora e uma amiga!
Muito além do espelhinho e porta-trecos! Essa é a concessionária do mundo feminino ideal, ou seja, um espaço com todos os carros em exposição e mulheres como vendedoras – que passam confiança e deixam as clientes mais à vontade. Por que? Segundo Stella, as entrevistadas avaliam que as vendedoras explicam detalhes técnicos dos automóveis sem a arrogância costumeira dos homens. “Nesse mundo feminino, a vendedora tem uma linguagem simples, menos técnica e trata a cliente como única. Além disso, além do cheiro do carro novo, as consumidoras valorizam mimos como brindes e acessórios”, ressalta. No pós-venda das concessionárias – quando deixam seus carros para revisão – as mulheres gostariam de ter sempre uma sala confortável com revistas femininas atuais. Um café gostoso e, até mesmo, serviço de manicure ou quick massage.
As redes sociais, no mundo ideal, seriam pontos de encontro para real amizade; sem baixaria. A internet ampliaria a comunicação entre os países para a troca de informações e cultura; atuaria como instrumento para denúncias contra violência. A ideia defendida pela internet no mundo ideal é unir povos. Os sites das empresas levariam a sério as reclamações sobre produtos e serviços; as respostas seriam imediatas, on-line. As mulheres gostariam que os sites fossem totalmente seguros e que permitissem visualizar os produtos em 360º. “Elas gostariam de contar com um site 100% amigável, no qual fosse possível montar um carro com todas as características e acessórios importantes. Este carro ideal, para as mulheres, teria um pouco de tudo: cores diferentes, não apenas o preto e o cinza; teria um frigobar; suporte para o celular; e praticidade em todos os aspectos”, detalha Stella.
Os produtos, obviamente, passariam por uma reformulação feminina, de acordo com Stella. “Nosso grupo de entrevistadas foi unâmine em questionar os motivos de os fabricantes de refrigerantes não pensarem em uma lata que não quebra a unha”, salientou a executiva.
Autossuficientes, as mulheres – no mundo criado por elas – não abrem mão do contato físico com um parceiro; querem legar às filhas os valores morais caracterizados por respeito ao próximo e a si mesmas. Nesse mundo, as mulheres não perdem as características femininas como sensibilidade e independência. Além disso, são extremamente valorizadas: serão sempre VIPs, tratadas como rainhas. As palavras mais associadas a esse mundo são equilíbrio, diversão, luxo, união, sustentabilidade, “paparico” e beleza.
Percepção & dilemas
• As brasileiras se descrevem como batalhadoras e vencedoras; valorizam o direito de escolha conquistado. Em contrapartida, mostram-se cansadas dos conflitos diários, do desafio de ser uma mulher contemporânea.
• Embora assumam diversos papéis diários, as mulheres elegem os filhos como o que mais valorizam na vida. Na prática, o papel de esposa não é tão importante quanto o de ser mãe. É justamente o amor incondicional que desperta o desejo de educar os filhos em um mundo melhor: mais sustentável e menos consumista.
• O equilíbrio entre a dedicação à carreira e ao lar é uma grande busca, assim como a preservação da feminilidade. A máxima “mulher tem que ser mulher” resume esse sentimento.
• A mulher contemporânea se vê como vencedora, guerreira, autossuficiente, dependente dos homens emocionalmente, amiga, mãe do companheiro, múltipla, sensível, frágil fisicamente e enfermeira.
• Elas acreditam que os homens as veem como sexo frágil, dependente emocionalmente e financeiramente, limitada, olham apenas a beleza/corpo, valorizam e respeitam a mulher de hoje.
• Entre as vantagens de ser mulher, elegem a possibilidade de ser mãe, fazer compras, ter sensibilidade e intuição.
• Nos dilemas, afirmam que não se permitem errar; têm dificuldade em conciliar a carreira, família, estudos e a administração da casa.
• As entrevistadas acreditam que as mulheres de hoje são muito mais informadas; as donas de casa, por exemplo, têm mais tempo para ler, ver tevê e buscar informações na internet. Esse nível de informação tem um grande impacto na forma de consumir da família brasileira.
• As mulheres se orgulham de a América do Sul possuir duas presidentes, uma vez que o direito ao voto foi obtido por meio do Código Eleitoral Provisório, somente em 24 de fevereiro de 1932.
• Os ícones femininos são Dilma Rousseff (poder e vitória); Gisele Bundchen (poder, sucesso e beleza); Juliana Paes (beleza); Hebe Camargo (vitória); Jeniffer Lopez (sedução); Zilda Arns, Glória Pires e Marina Silva (batalhadoras); Fernanda Montenegro (humildade); e Angelina Jolie e Princesa Diana (altruísmo). Entre outras celebridades admiradas estão Oprah Winfrey, Fátima Bernardes, Ana Paula Padrão, Hillary Clinton – mulheres fortes e femininas.
• Entre os desafios apontados pelas entrevistadas estão: ser múltipla; tomar decisões; dividir deveres, não apenas os direitos; e ser menos tolerantes. As entrevistadas revelam que ainda gostam de ser cuidadas.
– Na percepção das mulheres, o dinheiro tem que render muito porque não querem esquecer que são mulheres, mães e amigas. Ou seja, com dinheiro podem se “produzir” e ter independência.
• As mulheres acreditam que são mais fortes que os homens; competir no mercado de trabalho diretamente com eles faz com que esse sentimento seja mais presente. Por outro lado, as mulheres reforçam a máxima de que “não podem ficar doentes”.
• As entrevistadas afirmam que estão em busca da realização profissional como forma de ter mais orgulho perante a família e a sociedade.
• Elas se enxergam como seres com responsabilidade, vivência, independência, liberadas sexualmente e que cuidam dos filhos.
Fonte: Consumidor Moderno
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