Vamos imaginar que você vai nascer em 2011 e pode escolher entre vir ao mundo no Brasil ou na China. Qual dos dois escolheria?” Essa foi a pergunta que EXAME fez ao britânico Jim O’Neill, economista do banco Goldman Sachs que previu a ascensão dos grandes países emergentes, batizados por ele de Bric — Brasil, Rússia, Índia e China. A resposta: “Adoro praia e futebol. Admiro a tolerância e a simpatia do povo brasileiro. Isso sem falar no fato de o país ser uma democracia. Viver numa economia em alto crescimento não é exatamente tudo nesta vida”. O’Neill tem 53 anos, vai conti nuar morando em Londres, não tem planos de se mudar para a América do Sul, mas sua resposta ajuda a dimensionar um debate em curso sobre forças e fraquezas das maiores economias emergentes. Do ponto de vista do crescimento quantitativo, China e Índia parecem estar em um patamar à parte. Mas a dimensão qualitativa do desenvolvimento pode favorecer o Brasil — a Rússia, aparentemente, está perdendo as duas corridas. No fundo, o debate pode ser resumido com uma pergunta bem conhecida dos brasileiros. Afinal, mais vale fazer o bolo crescer para dividir mais tarde ou dividi-lo enquanto cresce?
Os chineses pareciam não ter dúvidas, pelo menos até agora. A média de crescimento de sua economia nos últimos 25 anos é de quase 10%. Tornou-se a segunda maior do mundo, ultrapassando o Japão. Já exporta quase 20% de todos os bens manufaturados do mundo. Crescer é uma obsessão chinesa — até por motivos de sobrevivência política da elite do Partido Comunista. A novidade dos últimos meses é que até lá os questionamentos em torno desse modelo começam a surgir. Exaustão dos recursos naturais e crescimento acelerado da desigualdade social são contas que começam a ficar caras demais — até para o padrão chinês. O coeficiente de Gini, termômetro universal de disparidade de renda, está em franca elevação na China. Vale lembrar que não há por lá nada remotamente semelhante a uma rede social de proteção — os cidadãos estão abandonados à própria sorte. Diante desse quadro, o governo de Pequim estabeleceu a distribuição de renda como reforma prioritária em seu 12o plano quinquenal, voltado para o período 2011-2015. “São mais de 200 milhões de migrantes chineses em busca de melhores condições de vida”, diz o economista Ajay Chhibber, diretor para Ásia e Pacífico do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. “Há ainda uma incrível disparidade entre a renda das cidades e a do meio rural, o que torna o problema mais complexo.”
O Brasil está, claro, num momento histórico diferente. A renda per capita brasileira é o triplo da chinesa. Também por isso parece fora de questão mimetizar a capacidade chinesa de crescimento do PIB. A economia brasileira deve experimentar uma expansão neste ano de, no mínimo, 7%. Mas é um número enganoso, pois em parte tratase apenas de recuperação após o tombo de 2009. Apesar dos fogos lançados em comemoração pelo governo, nenhum economista sério prevê a manutenção desse ritmo em 2011 e nos anos seguintes. O motivo é singelo: o país simplesmente não aguentaria. “Sonhar com o ritmo chinês é bobagem. Boa parte do crescimento na China é em decorrência do processo de urbanização em curso lá”, diz O’Neill. “O Brasil já passou por isso nos anos 70, e não podemos esquecer que há 1,3 bilhão de chineses e 190 milhões de brasileiros.”
A incapacidade de crescer como a China, porém, não tira o mérito dos avanços conquistados no Brasil nas últimas duas décadas. Ainda que mais lentamente, a economia avança num ambiente democrático ao mesmo tempo que a desigualdade social começou, finalmente, a diminuir. “Do ponto de vista social, o desempenho do Brasil é realmente muito impressionante”, diz o americano Michael Spence, prêmio Nobel de Economia em 2001 e professor emérito da Universidade Stanford. No Brasil, a tendência é de aproximação entre a parcela “Índia” da massa da população e a parte “Bélgica” do topo. A renda dos 10% mais pobres está crescendo a uma velocidade de cerca de 8% ao ano, enquanto a dos 10% mais ricos aumenta a um ritmo bem menor, 1,5%. “O Brasil já atingiu a primeira meta de desenvolvimento do milênio, da Organização das Nações Unidas, que pretende reduzir a pobreza à metade entre 1990 e 2015”, afirma o economista Ricardo Paes de Barros, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.
Ninguém mais duvida que as grandes nações emergentes serão um dos principais motores do mundo a partir de agora. Até por isso, comparações entre elas entrarão na ordem do dia. No balanço de forças atual, a política social brasileira surge como referência mundial. Já os chineses mantêm-se muito à frente em capacidade de poupança e, portanto, de investimento. Para o futuro, a briga que realmente conta é a da educação — e essa vem sendo amplamente ganha pelos chineses. O sistema educacional brasileiro perde sob qualquer ângulo que se examine. No ensino médio, os brasileiros absorvem menos conteúdos que os chineses. No ranking elaborado pelo jornal britânico The Times, há quatro universidades chinesas entre as 50 melhores do mundo. A USP, a mais bem colocada da América Latina, ficou em 232o lugar. “É bom não esquecer que todo crescimento econômico demanda mão de obra qualificada”, diz Naércio Aquino Menezes Filho, coordenador do centro de políticas públicas do Insper, de São Paulo. Ou seja, mesmo para manter, de forma sustentada, a média atual de 4,5% ao ano, o Brasil ainda tem muito trabalho pela frente.
Fonte: Exame
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