90% dos brasileiros estão adotando estratégias para reduzir gastos

Comportamento do consumidor brasileiro até o momento em 2023 reflete um equilíbrio delicado entre otimismo e cautela.

Otimista, mas ainda cauteloso. Esta é o retrato do consumidor brasileiro de 2023, capturado pela pesquisa sobre o sentimento dos consumidores brasileiros e seus hábitos de consumo. O levantamento feito pela McKinsey & Company foi realizado simultaneamente em 10 países e demonstra que os brasileiros estão adotando uma abordagem mais cautelosa em relação ao consumo. Nove em cada dez consumidores afirmam ter implementado estratégias para reduzir gastos em diferentes categorias de produtos, independentemente da sua posição nas diferentes camadas sociais.

Itens como decoração, produtos para casa, vestuário e eletroeletrônicos – conhecidos como discricionários – são alguns dos mais afetados por essa tendência. A pesquisa identificou também que muitos consumidores estão optando pelo trade-down, substituindo marcas por opções mais econômicas. Apenas 4% dos entrevistados compraram produtos de maior valor, reforçando o momento de contenção de despesas.

Trade-down e disparidade no poder de compra

trade-down, caracterizado pela troca por marcas mais acessíveis, foi uma prática significativa entre os brasileiros durante a pandemia. Embora tenha estabilizado em 28%, esse percentual ainda reflete a ênfase na economia. É notável que, apesar de uma desaceleração nesse comportamento, os consumidores brasileiros ainda não abraçaram plenamente o trade-up, que implica em optar por produtos e marcas de maior valor. Apenas 4% dos consumidores adquiriram produtos com preços mais elevados nos primeiros três meses de 2023, evidenciando a persistência do cenário de austeridade.

O estudo também revela uma disparidade significativa no poder de compra entre diferentes segmentos da sociedade. Enquanto 53% das classes A e B1 relataram um aumento na renda familiar, com 51% conseguindo reservar uma parte desse incremento como poupança, as classes C2, D e E foram impactadas de maneira oposta. Nesse contexto, 52% dos respondentes experimentaram uma redução em sua renda familiar, e 58% tiveram de diminuir seus níveis de poupança. Essa diversidade econômica entre classes acentua a complexidade das decisões de consumo e influencia diretamente as estratégias adotadas pelos consumidores.

Impacto da incerteza econômica

Embora o otimismo em relação à economia tenha subido notavelmente em 13 pontos percentuais, essa visão otimista não se distribui uniformemente entre as diversas classes sociais e gerações. De maneira marcante, as classes A e B1, junto com as gerações Gen Z e Millennials, emergem como as mais inclinadas a serem otimistas.

No entanto, a incerteza sobre a recuperação econômica do país permanece relativamente constante, mantendo-se em torno de uma média de 17% nos últimos dois anos. Essa coexistência de perspectivas – um otimismo mesclado com uma dose de incerteza persistente – resulta em visões diferentes entre consumidores brasileiros sobre o futuro. As questões socioeconômicas, então, guiam as jornadas de compra dos consumidores.

Compras conscientes em tempos de inflação

Além da redução de gastos e da troca de marcas mais acessíveis, outra estratégia se destaca: a redução na quantidade adquirida. Aproximadamente um em cada três consumidores começou a comprar embalagens menores, especialmente quando se trata de itens essenciais básicos, como mercearia, hortifruti e laticínios. Essa tendência é ainda maior nas classes sociais mais baixas, refletindo uma adaptação para enfrentar a realidade econômica. Por outro lado, no contexto de produtos essenciais não-básicos, como itens de higiene, limpeza e bem-estar, bem como em categorias discricionárias como vestuário e viagens, a estratégia do trade-down permanece.

Ou seja, os consumidores brasileiros continuam a buscar alternativas mais econômicas. Por exemplo, na classe média, 33% compraram itens essenciais não-básicos de marcas mais econômicas e 17% compraram embalagens de tamanho menor. Os itens discricionários também viram um número significativo de consumidores, cerca de um quinto, trocando de lojas ou sites para economizar. E os itens discricionários não estão isentos dessa dinâmica, com cerca de um quinto dos consumidores trocando de lojas ou sites na busca por economia.

Importância dos canais digitais e omnicanalidade

A pesquisa revela que a penetração digital estabilizou, mantendo-se relevante. Entre 50% e 60% dos consumidores pesquisam e compram predominantemente em canais digitais, como marketplaces. Além disso, a omnicanalidade emergiu como uma tendência, com 47% dos consumidores realizando pesquisas tanto em canais físicos quanto digitais, e 40% efetuando compras simultaneamente em ambos os canais.

Estratégias para maximizar valor

À medida que os consumidores adotam estratégias para economizar e se adaptam às incertezas econômicas, as empresas têm a oportunidade de oferecer produtos e serviços alinhados às novas demandas. O entendimento profundo da jornada do consumidor brasileiro e a flexibilidade para atender às suas expectativas emergentes são essenciais para a manutenção da relevância e sucesso nos setores de consumo e varejo. Neste panorama, podemos listar três estratégias para as organizações:

1. Sintonia com consumidor: habilidade das empresas em criar ofertas em harmonia com os sentimentos e comportamentos do consumidor brasileiro. Esta abordagem exige uma capacidade de ajustar a variedade dos produtos e incorporar mudanças como a preferência por embalagens menores e alternativas mais econômicas. Contudo, um dado que se destaca é a cautela a respeito do “trade-up”, isto é, a troca por produtos de maior valor. A pesquisa aponta que os consumidores mantêm-se céticos em relação a essa direção.

2. Personalização e estratégias direcionadas: As diferenças entre as diversas regiões, níveis de renda e categorias de produtos conferem uma complexidade singular à jornada do consumidor. É necessário realizar a personalização. Cada canal, região e segmento deve ser abordado de forma única, considerando sensibilidades a preços e fidelidade à marca. Os canais digitais desempenham um papel vital nesse empreendimento, permitindo a implementação de táticas altamente específicas e personalizadas.

3. Foco no consumidor e na jornada de compra: A crescente disponibilidade de múltiplas fontes de dados possibilita uma compreensão mais atualizada e precisa dos hábitos de compra. Esta estratégia de “zoom in” no consumidor brasileiro capacita as empresas a adaptar suas ofertas em tempo real, alinhando-se às flutuações dinâmicas das preferências do cliente.

Perspectivas futuras

A rota de crescimento e lucratividade das empresas no campo do consumo e varejo está em um processo contínuo de reconfiguração, apesar dos desafios impostos pelo cenário econômico. Enquanto algumas estratégias tradicionais permanecem eficazes, surgem outras oportunidades para atender às novas demandas dos consumidores.

O otimismo em relação à economia, medido em 43%, mostra uma melhora significativa em comparação com os anos anteriores, embora os índices sejam mais baixos do que em outros mercados como China e Índia, com taxas de 75% e 81% respectivamente. As preocupações centrais dos brasileiros continuam sendo os preços, inflação e desemprego, e essas preocupações variam entre as diferentes classes sociais.

O estudo também mostra pontos essenciais para a indústria de consumo agregar valor. Estes incluem a necessidade de eficiência de custos diante do aumento dos preços e a revisão do portfólio de produtos, com foco em alternativas mais acessíveis. Nesse ambiente em constante mudança, as empresas que abraçam essas orientações estratégicas estarão melhor equipadas para se manterem relevantes. À medida que os hábitos de consumo evoluem entre diferentes segmentos, a flexibilidade e a habilidade de se adaptar às novas dinâmicas serão cruciais para garantir o sucesso contínuo no futuro do setor.

Por: Lara Madeira, Consumidor Moderno

By | 2023-09-04T14:24:56-03:00 19 abril, 2023|Categories: Consumo|Tags: , , , |0 Comments

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Mestre em Economia, especialização em gestão financeira e controladoria, além de MBA em Marketing. Experiência focada em gestão de inteligência competitiva, trade marketing e risco de crédito. Focado no desenvolvimento de estudos de cenários para a tomada de decisão em nível estratégico. Vivência internacional e fluência em inglês e espanhol. Autor do livro: Por Que Me Endivido? - Dicas para entender o endividamento e sair dele.

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