Marcas globais vs nacionais: todas têm espaço no mercado?

Com o advento da globalização, muitas empresas se desafiaram além de suas fronteiras, almejando encontrar novas oportunidades de crescimento e consumidores ansiosos por experimentar suas marcas. E assim, cada vez mais, marcas globais e locais passaram a competir e disputar a atenção dos consumidores nos mercados nacionais. Entende-se por marcas globais aquelas que operam em muitos mercados; já as locais seriam as que atuam apenas em um único mercado. No entanto, estas definições são subjetivas e variam de acordo com a percepção do consumidor, já que marcas globais podem ser tão fortes e estar enraizadas na cultura de um país, fazendo com que os consumidores as considerem como locais.

Esta convivência entre globais e locais foi responsável por estabelecer novas preferências entre os consumidores, baseadas na origem das marcas. Apesar da variação de percepções conforme o país e a categoria de produto, o local de origem se tornou, em alguns casos, um importante fator de decisão de compra e, portanto, um trunfo muito valioso para as empresas. Em um contexto varejista saturado, a origem da marca pode ser um diferencial e as empresas que conseguirem oferecer uma forte proposta de valor, e se conectarem pessoalmente às necessidades ou desejos dos consumidores, terão vantagem em qualquer mercado.

Quais as fortalezas de cada uma? Alguns fatores influenciam as preferências dos consumidores entre marcas locais e globais, trazendo vantagens para ambos os grupos. O grau de especialização de um país favorece as marcas locais, quando aceito internacionalmente. Um bom exemplo deste fenômeno é o chocolate, altamente reconhecido pela qualidade na Bélgica e Suíça. O sabor e a perecibilidade também, pois marcas locais podem estar mais adaptadas às preferências da própria região, além de remeterem a ideia de um maior frescor do produto. O orgulho nacional é outro importante elemento, uma vez que o sentimento de ajudar a economia local pode influenciar a compra de marcas nacionais.

A disponibilidade, por outro lado, pode beneficiar os dois tipo de marcas, sendo que as locais têm vantagem por meio do conhecimento superior das redes de distribuição do país e de suas relações estabelecidas com os varejistas. Marcas globais têm vantagem em países com infraestrutura de distribuição avançada e nos mercados com baixa concorrência nacional. Elas também se destacam nos países em desenvolvimento, por oferecerem uma garantia de qualidade, segurança e confiabilidade, muitas vezes alinhada ao forte prestígio social.

Locais dominam a categoria de alimentos e bebidas frescas – A importância da origem varia de acordo com a categoria de produto e pode influenciar positiva ou negativamente a preferência dos consumidores. Há uma alta convergência entre regiões do mundo quando se trata da categoria de alimentos frescos, sendo que as marcas nacionais são claramente preferidas. A compra de produtos frescos locais aumenta as chances de que o item seja mais saboroso e nutritivo, já que alguns alimentos perderiam o valor nutricional com o tempo de deslocamento, além de alguns serem perecíveis, o que poderia causar preocupações quanto à segurança alimentar.

As empresas que prevalecem nesta cesta de produtos são as que inovam a partir de uma profunda compreensão dos sabores e hábitos alimentares locais. Esta “customização” atrela uma vantagem competitiva perante produtos homogêneos provenientes de economias de escala.

Da mesma forma que para alimentos frescos, é possível notar a predominância da preferência por marcas locais quando o assunto é bebidas frescas, como água, café/chá, sucos e leite, já que a deterioração é uma forte preocupação. Porém, a tendência oposta é observada para refrigerantes, com uma preferência evidente por marcas globais. Em muitos países, inclusive no Brasil, as multinacionais foram as pioneiras e continuam dominando a categoria, com marcas “Top of Mind”. Em contrapartida, na categoria de bebidas alcoólicas, o fit cultural com o consumidor tem uma importância maior do que em refrigerantes. Marcas locais, consolidadas há anos no mercado, permaneceram as preferidas, a despeito das operações de fusão e aquisição de seus fabricantes, devido à forte conexão emocional com os consumidores.

Globais predominam em categorias de alto valor agregado – A preferência por marcas globais dominam a cesta de produtos de cuidados da casa e, principalmente, de cuidados pessoais. As multinacionais conseguem se beneficiar amplamente de seus investimentos em pesquisa e desenvolvimento e de sua economia de escala, além de seu equity e especialização, fornecendo, aos mais diversos mercados, produtos inovadores e de alta qualidade, muitas vezes adaptados às necessidades locais.

Há também uma clara predileção do consumidor ao redor do mundo por marcas globais de bens duráveis e eletrônicos. Fatores como qualidade e know-how alavancam esta preferência. Além disso, empresas globais são privilegiadas pela baixa ameaça de novos players e baixo nível de competição, proporcionado por fortes barreiras de entrada nestes mercados.

O orgulho nacional, por sua vez, influencia fortemente a intenção de compra dos asiáticos e os levam a considerar marcas icônicas destes países como locais, apesar delas dominarem o cenário mundial. Por exemplo, no Japão e na Coreia do Sul, a preferência por marcas locais de automóveis é maior, afinal, a maioria dos consumidores está pensando em marcas inicialmente nacionais como Toyota e Honda.

Qual a percepção dos latinos e dos brasileiros? Além da origem das marcas e das credenciais ligadas a ela, há outros fatores que interferem na tomada de decisão do consumidor, e a forma como são percebidos em diferentes países e regiões provoca fortes contrastes nos resultados.

Enquanto a origem das marcas pode ser considerada um dos principais drivers de compra em algumas regiões do mundo, na América Latina, como um todo, a propensão em afirmar que a origem é menos importante do que outros fatores de seleção é maior. O preço é um dos atributos mais importantes para os latinos e, com isso, marcas locais que são low price vêm ganhando espaço.

No Brasil, fatores como disponibilidade de promoções e nível de preços são destaques, o que se torna ainda mais evidente no atual contexto econômico do país, que conduz as famílias à busca de alternativas de economia. Há, entretanto, diferentes perfis de famílias, de acordo com o impacto da crise e de suas reações ao mudar os hábitos de consumo. Entre eles, existe um grupo com melhor patamar de renda e que, apesar do contexto econômico, aumentou os seus gastos. Esse se destaca por liderar tendências e estar aberto a inovações, prezando qualidade e benefícios diferenciados dos produtos. Ou seja, mesmo diante de um entorno incerto, há oportunidades e espaço para inovação. As empresas vêm respondendo com foco em alternativas mais saudáveis e com benefícios agregados, que proporcionam uma experiência de consumo, para assim, atender a demanda de um consumidor cada vez mais exigente.

Além disso, quando comparado com o restante do mundo, a América Latina não é tão motivada pelo sentimento de orgulho nacional. O Brasil, ainda menos, sendo o quarto país com menor índice de importância para este fator. Latinos, de forma geral, são mais leais a marcas locais somente em categorias básicas, como alimentos e bebidas, por acreditarem que estas estão mais próximas de suas emoções e mais conectadas com suas preferências.

Ao mesmo tempo, as multinacionais têm ganhado relevância entre os latinos, em diversas categorias, principalmente na de bens duráveis, por serem admiradas pelas inovações disponíveis e qualidade. Este reconhecimento é ainda mais forte do ponto de vista dos brasileiros, que tendem a associar uma qualidade superior às marcas do exterior.

Preferências se refletem no mundo on-line – Ainda que, por todas estas considerações, multinacionais e nacionais venham a competir em um mesmo espaço, a globalização expandiu as fronteiras desta interação com o universo on-line. Por meio do e-commerce, uma empresa pode competir com outras que estão a quilômetros de distância e isso torna o desafio ainda maior.

Mesmo nas compras on-line, os consumidores refletem os mesmos hábitos e a mesma preferência por marcas. Conveniência e preço são os principais motivadores de compra, porém há diferenças entre Brasil e o mundo. A nível global, praticidade é o fator imprescindível, ao passo que, no Brasil, o preço é quem assume esta posição. Já variedade e disponibilidade são motivadores secundários. Os consumidores, de forma geral, são mais propensos a procurar on-line marcas locais para as categorias de alimentos, bebidas, roupas e sapatos.

Neste cenário de e-commerce, há oportunidades para empresas atraírem um grupo que vêm ganhando destaque por seu consumo nos últimos anos, os Millennials, adultos de 21 aos 34 anos, engajados e leais às marcas, em busca da experiência de compra virtual. Estão mais conectados às tendências e novidades do mercado e dispostos a provar novos produtos, principalmente quando se trata de inovações em categorias supérfluas, ligadas à compra por impulso.

“Think Globally, Act Locally”: globais e nacionais, há espaço para todos – Mesmo com adversidades, há espaço e oportunidades de crescimento para as duas no mercado e, inclusive, empresas globais e locais podem aprender com as forças e fraquezas umas das outras.

A flexibilidade dos processos é uma vantagem fundamental para as marcas locais, mas deve haver um equilíbrio com o controle para garantir uma experiência uniforme aos consumidores. Estas empresas também devem se atentar à captação de talentos qualificados e a definição de um plano de carreira, que devem ser encarados como uma prioridade, assim como a inovação. Apesar dos recursos limitados, é necessário usufruir da compreensão do mercado em que estão inseridas e do poder de decisão local para inovar em áreas de necessidades não atendidas e lançar produtos antes da concorrência. Necessitam, de igual modo, enfatizar os benefícios locais que as conectam aos consumidores da região, tais como o orgulho nacional e o frescor dos ingredientes.

Todavia, marcas globais devem aumentar sua flexibilidade, concedendo às equipes locais maior autonomia para tomar decisões e desenvolver produtos. E, apesar de entenderem os desafios singulares do mercado, podem ampliar suas chances de sucesso, estabelecendo parcerias nacionais para auxiliá-las com seu conhecimento local, além de investir em profissionais talentosos do próprio mercado, garantindo adequação das iniciativas com as preferências e o ambiente local. O diferencial destas multinacionais pode estar na Glocalização: “Think Globally, Act Locally”, mesclando adaptação e padronização de produtos, de tal modo a aproveitar a força da marca global, ao mesmo tempo em que personaliza e posiciona o produto conforme as preferências e a cultura local.

A estratégia da Glocalização é a essência da segmentação, já que as necessidades mundiais não são homogêneas. Claro que empresas devem se beneficiar de suas economias de escala em produção e marketing, porém é primordial atender adequadamente aos desejos e necessidades dos consumidores e trazer diferenciação, garantindo ainda uma certa flexibilidade da execução e do mix de marketing. O produto deve corresponder ao perfil de consumidor de cada país e, portanto, deve ser adaptado à cultura, aos costumes, hábitos e gostos específicos. Muitas vezes, é necessário adaptar a fórmula de um mesmo produto, vendido internacionalmente, para um dado país ou, até mesmo, importar os insumos para sua produção, pois a qualidade dos recursos varia por região. Independentemente, a identidade do produto precisa ser preservada. Empresas devem também se atentar à intensidade em que os consumidores locais valorizam a categoria e sua expertise, pois, frequentemente, são desfavoráveis a sabores desconhecidos, nomes de difícil pronúncia ou em língua estrangeira. E, caso isso aconteça, será necessário educá-lo por meio de ações de marketing.

Inovação como driver para o sucesso para globais e locais – Com o entendimento profundo do mercado em que se atua, empresas podem antever tendências, entender melhor a maturidade da própria categoria, quem compete por market share e, inclusive, perceber espaços onde há oportunidade para inovar. Contudo, inovar não é uma tarefa fácil. Somente 10% das iniciativas inovadoras no mundo obtém sucesso. O mercado muda constantemente e quem identificar oportunidades, ao invés de ameaças, terá maior potencial.

O sucesso não é aleatório e imprevisível, é uma ciência. Há um mecanismo causal que revela o porquê dos consumidores estabelecerem marcas em suas vidas: eles as escolhem para performar com propósito e eficiência, uma tarefa importante, que anteriormente tinha somente soluções inadequadas ou não existentes.

Inovações de sucesso disruptivas ou incrementais tendem a abordar as circunstâncias em que os indivíduos precisam de ajuda para enfrentar uma dificuldade, um trade-off ou alcançar uma aspiração – e, assim, progredir. Consequentemente, para desenvolver inovações de sucesso, é necessário obter um conhecimento profundo, que foque no consumidor e no problema que ele enfrenta ao usar determinado produto. Identificar esses impasses é essencial para atender a demanda do indivíduo e maximizar o valor de sua experiência de consumo. De modo a auxiliar as empresas a aumentar suas chances de êxito com inovações, a Nielsen identificou 12 critérios que todo novo produto deve atender para ser bem sucedido no longo prazo e que são muito úteis para que marcas tenham uma boa repercussão no mercado local.

Em geral, o sucesso de um lançamento depende da sua capacidade em alcançar diferentes estágios na jornada do consumidor. É importante identificar qual o problema que a inovação resolverá melhor do que o concorrente e entregar uma experiência de produto que concretize todos esses desejos. Logo, multinacionais podem manter o perfil internacional e, ainda assim, adaptar os produtos às necessidades e desejos locais. Para usufruir desta força, são necessários investimentos que promovam a visibilidade do produto, o destacando perante seus competidores, e que maximizem o alcance para assegurar a experimentação e a lealdade ao produto.

O sucesso começa com a criação de uma marca forte, capaz de entender o seu público-alvo e construir confiança a cada interação. Sempre haverá espaço para novas ideias e produtos, e a globalização deve respeitar as diferenças. Nosso mercado é global, mas os consumidores são diferentes entre si. E marcas capazes de se adaptar, globais ou nacionais, ganharão espaço no carrinho e no coração dos consumidores.

Informações adicionais

Intensidade de compras de MP nos lares

  • Em média, se leva 4 unidades a cada compra de MP e isso ocorre 5x por ano (então, cerca de 20 unidades de MP por lar/ano).

Classes sociais

  • Classe AB representa ~41% das compras de MP, o restante está distribuídos entre CDE
  • Porque AB é mais importante / ganha relevância? Pois as grandes redes, que concentram as vendas de MP, estão nos centros urbanos mais ricos (ex: centro expandido de SP)

Metodologia – A Nielsen elabora o Estudo Anual de Marcas Próprias pelo vigésimo segundo ano consecutivo, com o objetivo de fornecer ao mercado dados sobre a importância e a evolução desses produtos no varejo brasileiro. Com base nas 175 categorias auditadas regularmente, são identificadas quais cestas e/ou categorias apresentaram melhor performance, bem como informações relacionadas aos consumidores de Marcas Próprias, obtidas por meio de uma rica análise do painel de consumidores da empresa.

Por: Nielsen.com

By | 2020-11-09T07:26:59-03:00 26 setembro, 2017|Categories: Marca|Tags: , , , , , |0 Comments

About the Author:

Mestre em Economia, especialização em gestão financeira e controladoria, além de MBA em Marketing. Experiência focada em gestão de inteligência competitiva, trade marketing e risco de crédito. Focado no desenvolvimento de estudos de cenários para a tomada de decisão em nível estratégico. Vivência internacional e fluência em inglês e espanhol. Autor do livro: Por Que Me Endivido? - Dicas para entender o endividamento e sair dele.

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