Quando os clientes preferem valor a preço

Fonte: Revista HSM Management 90 • Janeiro-fevereiro 2012

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  • Existem três formas de determinar o preço: pelo custo, pela concorrência e pelo valor ao consumidor;
  • Em geral, as empresas optam por uma das duas primeiras, principalmente porque não conseguem avaliar o valor que seu produto tem para o consumidor;
  • A partir de um estudo de caso em uma grande rede supermercadista europeia, mantida no anonimato, os autores demonstram que a lucratividade pode ser muito maior quando o valor é o fator determinante do preço.

Como todo gestor sabe, há três abordagens básicas para determinar o preço de um produto, serviço ou ideia:

  • Precificação baseada em custo: os dados principais são informações de sistemas contábeis e metas predeterminadas de lucratividade;
  • Precificação baseada na concorrência: estabelece os preços com base nos níveis de preços previstos ou observados nos concorrentes;
  • Precificação baseada em valor: usa informações sobre a disposição do consumidor para pagar e a elasticidade-preço dele como fonte primária para as decisões de preço.

Cada uma dessas abordagens tem pontos fortes e limitações; a pesquisa acadêmica, porém, dá fortes indícios de que a última leva a uma lucratividade superior. Ela tão importante que merece ser tratada pela sigla PBV.

Ilustramos os benefícios dessa abordagem com a ajuda de um estudo recente feito a partir de um projeto de consultoria para uma grande rede de supermercados europeia.

O cliente planejava lançar um iogurte de marca própria, com benefícios específicos para a saúde. Com base no cálculo de custos –e usando números disfarçados para proteger a confidencialidade–, a empresa estava determinada a lançar o produto a 1,99.

Com um custo de 1,29, esse nível de preço dava boa margem e ainda oferecia uma comparação favorável com o preço do produto de marca, de 2,99.

O presidente da companhia pediu nossa avaliação. Começamos examinando as percepções de valor do cliente em relação ao produto de marca e ao de marca própria. Nossa premissa inicial era que a marca própria seria comparada desfavoravelmente à outra, especialmente pela falta de um nome reconhecido, famoso.

Para nossa surpresa, a pesquisa com os consumidores revelou que o iogurte de marca própria era superior à marca famosa em um aspecto que eles consideravam crítico: as mães percebiam que o produto de marca própria era menos nocivo aos dentes das crianças, pois continha uma quantidade bem menor de açúcar.

Com base em um estudo empírico com clientes existentes e prováveis, estimamos o valor desse benefício adicional em torno de 0,30. Nossa pesquisa também confirmou, porém, que a falta de uma marca estabelecida reduzia o apelo da marca própria em cerca de 0,50. As duas alternativas tinham desempenho semelhante em todas as outras dimensões.

Em suma, segundo nossas análises da disposição do cliente para pagar, o valor relativo da marca própria era de cerca de 2,80. Depois de fazer simulações nas quais a sensibilidade do cliente a preço, reações dos concorrentes e outros fatores foram levados em consideração, recomendamos que o preço de lançamento fosse de 2,49.

Também sugerimos que a campanha de lançamento enfocasse os benefícios para a saúde. A empresa seguiu nossas recomendações. Apesar do preço mais alto, o volume de vendas ultrapassou as expectativas. Os lucros foram cerca de seis vezes maiores do que o planejado.

Em essência, a precificação baseada em valor visa alinhar preço e valor real, único –algo que importa muito aos clientes e que a concorrência ainda não fornece. Isso alinha os interesses da empresa e os do cliente melhor do que qualquer outro método de precificação.

Nas circunstâncias em que as percepções de valor pelos consumidores são altas, os preços podem ser determinados com base nisso, sem afastar os clientes (assumindo que o valor real, único, está sendo comunicado com eficiência para o consumidor). Percepções de valor baixas, por sua vez, exigem preços menores.

Apesar das vantagens, é interessante notar que a PBV é o método menos popular, adotado apenas por uma minoria de empresas. Vários estudos acadêmicos demonstram que mais de 80% delas (esse número pode variar bastante entre os setores) baseiam suas decisões de precificação primeiro nos custos ou nos preços da concorrência. Que fatores as impedem de adotar a PBV?

5 níveis de obstáculos

Para determinar o que dificulta a adoção dessa abordagem, entrevistamos executivos de vários países, setores e segmentos. Os resultados foram refinados em um conjunto de workshops, realizados também em diversos países, com participantes de diferentes setores –dessa vez para investigar mais a fundo a consciência das estratégias alternativas de precificação e as experiências
que os executivos tinham delas.

Esses achados levaram ao desenvolvimento, teste e refinamento de um questionário ministrado a grupos de participantes em nove empresas, distribuídas entre Alemanha, Áustria, China e Estados Unidos. Os dados foram surpreendentemente consistentes. Os resultados demonstraram que os principais obstáculos à adoção da PBV são:

  • dificuldade de avaliar o valor;
  • dificuldade de comunicar o valor;
  • dificuldade de segmentar o mercado;
  • gestão da força de vendas;
  • falta de apoio da diretoria.

Compreender a natureza dessas dificuldades, e como elas podem ser superadas com sucesso, pode motivar as empresas a reconsiderar (ou considerar pela primeira vez) a PBV.

Avaliação

Para começar, um obstáculo à implantação desse tipo de precificação é a falta de dados, processos e ferramentas para quantificar o valor percebido pelo consumidor. Com frequência as empresas são forçadas a recorrer aos preços baseados em custo ou na concorrência simplesmente porque não têm ferramentas para medir o valor com segurança.

Na verdade, não é incomum que equipes de marketing e vendas não tenham certeza de qual é o valor. Muitas vezes fala-se em superioridade técnica das ofertas em comparação com as da concorrência. Mas o valor, como é percebido pelos consumidores, raramente é encontrado no que a empresa acha que está vendendo. Na verdade, os clientes se importam com o benefício de certa característica, o impacto específico disso na vida deles ou o desempenho das organizações para as quais trabalham.

Companhias bem-sucedidas ao implantar a PBV em geral empregam uma série de ferramentas empíricas rigorosas para uma medição confiável do valor ao consumidor. Essas ferramentas incluem análises conjuntas, entrevistas com especialistas e avaliações do valor do produto ou serviço em uso.

Uma compreensão profunda do valor para o consumidor, usando a “linguagem” dele, permite aos vendedores quantificar a disposição para pagar com um grau maior de confiança. Essa informação, combinada com a sobre elasticidade-preço (por exemplo, em que nível a demanda responde às mudanças de preço), respostas da concorrência e percepções de valor dos consumidores, é então usada para identificar níveis lucrativos de preço.

Comunicação

Muitas empresas também têm de lutar bastante para comunicar o valor do que oferecem. Isso implica dois desafios:

1: Contornar a dificuldade de criar empatia com o consumidor: As empresas são ótimas para compreender o desempenho de seus produtos, mas sofrem quando se trata de comunicar o que isso realmente significa para quem usa o produto.

2: Convencer o cliente de que ele não está num “leilão”: Mesmo se as companhias forem comunicadoras natas, seus vendedores têm de ser muito criativos para inventar maneiras interessantes e convincentes para que os compradores ouçam e tenham confiança.

Algumas empresas conseguem superar tais desafios combinando aplicativos –que podem ser customizados para as condições de cada cliente e geram cálculos de valor realistas (com frequência, referem-se a economia de dinheiro pela redução de custos atuais e futuros)– com business cases suficientes para documentar histórias de sucesso envolvendo clientes semelhantes.

Levando isso um passo mais adiante, as práticas de venda de valor evoluíram a ponto de incluir cláusulas baseadas em desempenho, nas quais os vendedores garantem o valor entregue ao atrelá-lo a sua remuneração.

Segmentação de mercado

Essa é a terceira dificuldade a ser superada. Inúmeras empresas usam variáveis múltiplas para segmentar sua base de consumidores, em sua maioria rastreando informações demográficas ou comportamentais. Exemplos desse tipo de variável são idade, renda, gênero, tamanho da conta, tipo de setor de produção e assim por diante.

Por mais que essas variáveis tenham a vantagem de ser fáceis de observar, quando muito podem arranhar superficialmente as necessidades do consumidor que o levam a comprar. O fracasso em descobrir os reais motivadores do comportamento impede a diretoria de tomar ações significativas para compreender qual é realmente o valor e como pode ser comunicado com eficácia.

Em geral os diretores se surpreendem ao verificar que muitos problemas de precificação na verdade são consequência de uma segmentação ruim. Empresas que implantam a PBV compreendem que a segmentação efetiva começa com o mapeamento das necessidades do consumidor.

Isso permite às equipes de marketing e vendas diferenciar grupos de pessoas com disposições diferentes para pagar e preparar ofertas sob medida. Além disso, uma compreensão clara das necessidades dos consumidores tipicamente reduz a percepção de que eles, na maioria, são compradores insensíveis à qualidade e somente conscientes do reço.

Força de vendas

Vem então o problema da gestão dos profissionais de vendas, em particular o de sua remuneração. Uma pessoa do setor automobilístico, participante de um dos workshops, citou como exemplo o fato conhecido de que membros de sua equipe sistematicamente dão descontos com o propósito de atingir suas cotas mensais.

Esse comportamento, turbinado pelas metas de curto prazo e incentivos mal alinhados, destrói o valor até para o consumidor, porque promove uma cultura de concessão de preços, independentemente de serem realmente garantidos. A consequência de longo prazo é a falta de confiança no valor agregado da oferta, o que eleva ainda mais o desconto de preços.

Identificamos algumas medidas de gestão da força de vendas que podem combater essa espiral negativa:

  • estabelecer diretrizes claras para promoções de preço;
  • coordenar quem aprova os descontos: segundo pesquisa realizada na alemanha, áustria, china e Eua, são cinco os obstáculos principais à precificação baseada em valor;
  • restringir a possibilidade de dar descontos aos representantes de vendas;
  • monitorar sempre a diferença entre preços de tabela e efetivos;
  • remunerar os vendedores com base em margem, volume e preço-alvo, treinando-os para envolver os clientes em discussões de valor (em contraposição a puras negociações de preço);
  • dar apoio a essas conversas sobre valor com a inteligência necessária para que os vendedores demonstrem com confiança o valor econômico dos produtos aos clientes.

Apoio sênior

O obstáculo final a ser vencido quando se implanta a PBV é a falta de apoio da diretoria. Explícita ou implicitamente, muitos executivos de alto nível assumem que ter uma grande fatia de mercado leva à alta lucratividade, apesar de muitas pesquisas empíricas dizerem o contrário. Além disso, vários deles estabelecem metas que gratificam o crescimento do faturamento.

Sob essas condições, gestores de vendas são encorajados a dar descontos para atingir as metas de volume ou participação no mercado e não têm incentivo algum para vender valor. A implantação de uma cultura de precificação baseada em valor exige o reconhecimento pela diretoria de que a “qualidade” (lucratividade) da fatia de mercado é mais importante do que sua quantidade absoluta.

Além disso, os executivos precisam fornecer um direcionamento claro e dar apoio a propostas de precificação que promovam o uso do valor para o consumidor como ponto de partida, devem ajudar a construir habilidades em funções-chave para entender e monitorar melhor o valor ao consumidor e têm de acompanhar esses passos iniciais recompensando e reforçando os comportamentos desejados em todos os níveis da organização.

Uma nova maneira de fazer negócios

As empresas que tentaram implantar a PBV e fracassaram geralmente consideraram esse esforço como um simples projeto. Certas vezes, até soubemos da nomeação de um diretor de precificação, com recursos e pessoal dedicados a isso, mas percebê-lo como projeto foi limitante, porque muitos outros projetos competiam ao mesmo tempo por recursos administrativos escassos. Nesse contexto, mudanças na precificação costumam ser colocadas de lado porque a precificação é percebida erroneamente apenas como uma alavanca tática.

Descobrimos, por sua vez, que, quando a precificação baseada em valor é entendida em função de suas implicações, ela muda a maneira como a empresa vê a relação entre produtos e consumidores –em particular, ao colocar os consumidores em primeiro lugar. Assim, as possibilidades de concluir com sucesso uma transação aumentam radicalmente.

O resultado final vale o esforço. Mudanças de preço têm, de longe, o maior impacto sobre a lucratividade de um negócio, e a PBV força os gestores a pensar sobre como os preços se relacionam com aquilo pelo que os clientes realmente se importam em pagar.

Fonte: Revista HSM Management 90 • Janeiro-fevereiro 2012

Para assinar: http://www.hsm.com.br/revista/assinaturas

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By | 2020-11-04T14:45:20-03:00 10 janeiro, 2012|Categories: Comportamento do consumidor|Tags: , , , |0 Comments

About the Author:

Mestre em Economia, especialização em gestão financeira e controladoria, além de MBA em Marketing. Experiência focada em gestão de inteligência competitiva, trade marketing e risco de crédito. Focado no desenvolvimento de estudos de cenários para a tomada de decisão em nível estratégico. Vivência internacional e fluência em inglês e espanhol. Autor do livro: Por Que Me Endivido? - Dicas para entender o endividamento e sair dele.

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