É comum o consumidor confundir uma marca com a outra. Mas há maneiras de transformar a confusão em oportunidade
Há quem atribua a frase ao atacante Claudiomiro, figura folclórica do time do Internacional nos anos 1970. Outros garantem: o verdadeiro autor é Vicente Matheus, presidente do Corinthians, célebre pelas pérolas que proferia a cada entrevista. Certo, mesmo, é que em algum momento da história alguém mandou agradecer solenemente à Antarctica pelas Brahmas enviadas, escancarando não só a força de um nome que já foi considerado sinônimo de cerveja mas também um fenômeno curioso: a confusão sobre quem é quem no mundo das marcas.
Hoje, submerso em um mar de informação, o consumidor tem cada vez mais dificuldade de catalogar mentalmente as marcas com que se depara no supermercado. Prova disso está na pesquisa Top of Mind, realizada por AMANHÃ e que aponta as grifes mais lembradas pelos consumidores do Rio Grande do Sul e também do Paraná – como é o caso desta edição. Os resultados mostram que boa parte dos entrevistados mistura as estações na hora de pensar em marcas.
No Rio Grande do Sul, por exemplo, em mais de uma ocasião, a fabricante de celulares Nokia apareceu na lista das grifes mais lembradas de operadora de telefonia móvel. A Marcopolo, reconhecida como uma das mais competitivas indústrias de carrocerias de ônibus do mundo, já despontou entre as mais citadas na categoria “Caminhão”. E a Prosegur, tradicional nome no mercado de transporte de valores e segurança, costuma ser colocada pelos gaúchos na mesma gôndola mental em que repousam nomes como Bradesco, Gboex e outras seguradoras. E eles não são os únicos.
“Nos últimos anos, com a incorporação de tantas marcas umas pelas outras, o consumidor ficou confuso. De repente, a Prosdócimo deixa de ser marca de geladeira, o Bamerindus não existe mais, o Dentine passa a ser chamado de Trident…”, exemplifica o consultor de mar¬keting e comunicação Eloi Zanetti. Muitas vezes, a troca das bolas também se dá por características inerentes a cada produto. Uma grife de tênis, por exemplo, pode ser facilmente confundida com outra de sapatos. “O cérebro cataloga os nomes e faz associações de acordo com a exposição que as marcas têm”, opina Nádia Freire, diretora da Segmento Pesquisas – empresa que atua em parceria com AMANHÃ na realização do Top of Mind do Rio Grande do Sul.
Um marca que se vê constantemente nessa fronteira é a Tio João, do Grupo Josapar. Há mais de 80 anos, o logo da Tio João estampa pacotes de arroz, segmento em que é líder em vendas. Muitos consumidores, no entanto, acreditam que Tio João é, também, uma marca de feijão. Procurada por AMANHÃ, a Josapar não quis comentar o assunto. Mas a especialista em identidade corporativa Lígia Fascioni, que conhece o caso, garante que a confusão está longe de ser um problema. Ao contrário: é uma oportunidade para que a Josapar efetivamente venha a lançar o feijão da marca Tio João. “Seria coerente com o conceito da marca”, diz Lígia. “Eles [a Josapar] se comunicaram de maneira tão clara vendendo o arroz que o feijão acabou indo junto para a mente das pessoas”, avalia.
Extensão é barra
Jaime Troiano, sócio da Troiano Consultoria de Marca, diz que esse tipo de oportunidade costuma se abrir somente para aquelas grifes já consolidadas, capazes de conferir prestígio e credibilidade a outros produtos. “É um processo natural de expansão mental. Os consumidores passam a esperar das marcas novos produtos. Algumas se aproveitam disso e fazem o que denominamos extensão de marca”, explica. Troiano estima que, hoje, cerca de 80% dos produtos encontrados no varejo brasileiro são extensões de marca. Mas é preciso tomar cuidado antes de se embrenhar em novos segmentos. Sem uma estratégia coerente e boa capacidade de antever as reações do consumidor, a aventura pode se transformar em problema.
Em 2003, a Cia. União, dona do Açúcar União, decidiu ampliar seu portfólio. Em uma pesquisa, a empresa descobriu que muita gente ligava a marca União a outros produtos além do açúcar. E não perdeu tempo: lançou uma extensão de marca e entrou no filão das barras de cereais. No começo, a ideia deu certo – as barrinhas União chegaram a ter 8% de market-share no Brasil. Mas não demorou muito para que a Cia. União desistisse da empreitada. Na visão de Jaime Troiano, a marca estava muito associada ao açúcar, o que contrariava os atributos básicos das barras de cereal – normalmente associadas à saúde e à nutrição. Mas Melchiades Terciotti, diretor comercial da Cia. União, esclarece que a decisão de extinguir as barrinhas foi resultado de uma simples revisão estratégica. “O processo foi descontinuado porque o nosso foco passou a ser o de crescer em soluções de adoçamento”, sustenta ele. Atualmente, a União contempla diferentes tipos de açúcar e adoçantes. Mas a tendência é de que, em breve, passe a estampar outros itens. “A Cosan [atual controladora da Cia. União] entende de bens de consumo alimentícios. Levamos, sim, em consideração a entrada em novas categorias”, promete Terciotti.
Para o professor e consultor de marketing André D’Angelo, que assina o blog “Sr. Consumidor” no Portal AMANHÃ, são três os fatores que tendem a induzir as pessoas a uma pororoca mental. Um deles é a capacidade de cognição: o cérebro humano, afinal de contas, não é nenhuma máquina. “As pessoas inventam suas próprias memórias”, diz ele. O segundo ponto está relacionado à oferta excessiva de publicidade. “Existe uma banalização da mensagem na propaganda”, critica D’Angelo. A terceira possibilidade de confusão envolvendo marcas diz respeito ao nível de importância que cada uma delas tem para os consumidores. “Somos desatentos àquelas nossas compras do dia a dia. Damos atenção, mesmo, é à compra do carro, do computador”, sustenta.
Ficção e realidade
A suíça Victorinox sempre se destacou como uma tradicional fabricante de canivetes. Mas decidiu lançar sua própria linha de relógios de pulso ao perceber que muitos consumidores associavam sua marca a esse tipo de produto. “Construir uma marca é como fazer uma obra de arte. O artista faz sua parte. Depois, ela é interpretada de diversas maneiras”, reflete D’Angelo. Eloi Zanetti, que já foi diretor de marketing do Bamerindus e do Boticário, faz um alerta: é preciso levar em conta que nem sempre o consumidor conseguirá entender o que a marca está propondo. “Por mais que você explique, ele faz confusão”, salienta. O consultor cita um exemplo curioso: no começo dos anos 1990, o Boticário fez uma ação de merchandising na novela “Meu bem, Meu mal”, da Rede Globo. Na trama, o escritório fictício Venturini Designers desenvolvia uma série de produtos exclusivos para a fabricante de cosméticos. “Não é que as pessoas queriam saber quanto tínhamos pagado para a Venturini Designers criar nossos frascos e embalagens?”, relembra Zanetti.
Para manter tudo às claras, o primeiro passo é identificar os atributos básicos de cada marca. A partir daí, deve-se tomar cuidado para que as estratégias e decisões estejam sempre alinhadas a esses atributos. Um caso de referência é o da Mont Blanc, tida no mundo todo como um ícone de qualidade e sofisticação. Originalmente, a marca se dedicava somente a canetas de luxo. Com o tempo, no entanto, passou a abranger também uma linha de perfumes – e foi um sucesso. “A marca, nesse caso, relacionava-se com sofisticação e refinamento. Tudo é uma questão de percepção”, assinala André D’Angelo. Curiosamente, a francesa BIC, maior fabricante de canetas do mundo, fracassou ao tentar a mesma manobra. Em 1988, lançou uma linha de perfumes que aliava qualidade, preço baixo e design prático. Mas as vendas não emplacaram. O “Parfum BIC” sobreviveu três anos e, hoje, é vendido somente em alguns mercados exóticos – como o Irã. “Não deu certo porque lembrava algo popular, de plástico e descartável”, pondera D’Angelo.
Quando a coerência é preservada, no entanto, a marca se fortalece. Em casos extremos, acaba se tornando a palavra capaz de definir a categoria em que está inserida. O exemplo mais conhecido é o da Gillette. Criada pelo norte-americano King Camp Gillette, no começo do século 20, a lâmina de barbear descartável ficou mundialmente famosa por ser prática e barata. Ao longo do tempo, lançou uma série de produtos de higiene associados ao ato de fazer a barba – mas nunca deixou de ser o grande sinônimo de lâmina de barbear.
Outra marca que já faz parte do vocabulário brasileiro é a Xerox. Só que, ao contrário da Gillette, cujos consumidores não tiveram dificuldades para absorver novos produtos, a inventora da fotocópia teve de reinventar seu negócio.
Fundada nos anos 1940, nos Estados Unidos, a Xerox foi, durante décadas, a grande referência global em máquinas fotocopiadoras. “Até o fim dos anos 1980, tínhamos o único modelo do mercado. Mas aí o cenário mudou”, relembra Rafael Veras, gerente de comunicação da empresa no Brasil. O que era mecânico passou a ser digital e, desafiada, a multinacional se viu obrigada a alterar sua tática de competição. “Nosso negócio mudou por completo. Fazíamos venda direta e passamos a usar canais. Investimos em pesquisa e desenvolvimento, em novos produtos, e foi aí que se abriu uma brecha no mercado de serviços”, explica o executivo.
Com a aquisição da Affiliated Computer Services (ACS), concluída no começo deste ano, a Xerox pretende se consolidar como integradora de processos burocráticos e documentais – deixando para trás a pecha de fabricante de fotocopiadoras. No Brasil, 60% do faturamento da companhia já vem de novos serviços. “A herança histórica que temos abre muitas portas e ajuda a vender o outro lado do cardápio”, garante Veras. Para Jaime Troiano, quando uma marca é sinônimo de um produto, o risco de fracassar nas incursões em novos segmentos é imenso. “É muito importante que marcas com força e prestígio assinem suas linhas de produto ou serviços de modo que o mercado compreenda a amplitude da atuação”, recomenda Troiano.
Para mostrar que está de cara nova, a Xerox lançou, em setembro, a campanha publicitária mais cara de sua história. Prevista para chegar ao Brasil no fim deste ano, a campanha reúne clientes de renome – como a rede de hotéis Marriott e a Procter & Gamble – e posiciona a Xerox como uma provedora de serviços diversos, tais como o processamento de pedidos e a terceirização de bancos de dados. “Quando nos apresentou a campanha, a Ursula Burns [presidente mundial da Xerox] deixou uma coisa bem clara: esta será a última vez que o mundo vai lembrar da gente como uma empresa que faz fotocopiadoras”, relata Veras.
Com ou sem catupiry?
Xerox, Gillette, Cotonetes, Band-Aid… Não são poucas as marcas que se tornaram sinônimo de categoria de produto. Mas nem sempre esse tipo de visibilidade traz somente benefícios. A Laticínios Catupiry, de São Paulo, é um exemplo claro: anos atrás, a empresa lançou uma variedade de requeijão cremoso que se tornou popular em todo o país. Ainda hoje, muita gente pensa que “catupiry” é um tipo genérico de queijo, muito apreciado como recheio de pizzas e pastéis. O resultado é inevitável: quando uma pessoa pede uma pizza de frango com catupiry, isso não significa que a “verdadeira” Catupiry esteja lucrando. O caso é tão peculiar que, em 1998, a empresa recebeu o reconhecimento oficial de Marca Notória, concedido pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi) – e que proíbe a imitação ou uso da marca sem a devida autorização. Resta saber se o decreto será suficiente para reorganizar as gôndolas mentais do consumidor.
Fonte: Amanhã
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