Para atrair a atenção dos consumidores, empresas como AmBev, Volkswagen e Kimberly-Clark decidem criar suas próprias atrações na TV – difícil é garantir a audiência
Fonte: Exame
O movimento de câmeras de TV e cinegrafistas nunca fez parte da pacata rotina de Maués, cidade de 50 000 habitantes localizada próximo à fronteira do estado do Amazonas com o Pará e cuja economia gira basicamente em torno da agricultura e do turismo. Em meados de julho, porém, o município viveu dias de agitação ao servir de palco para as filmagens do primeiro episódio do programa Busão do Brasil, um reality show patrocinado pela AmBev, com estreia prevista para o dia 30 de julho na TV Bandeirantes. Durante três meses, 12 jovens com média de 18 anos de idade terão seu cotidiano escancarado por câmeras enquanto viajam de ônibus por 16 cidades do país, de Fortaleza a São Paulo. A escolha de Maués como ponto de partida para a atração nada tem a ver com a beleza da cidade, banhada por uma dezena de rios amazônicos. Também não se tratou de sugestão dos executivos da emissora. A explicação é outra – é que lá está localizada a Fazenda Santa Helena, principal fábrica do Guaraná Antarctica, produzido pela AmBev. A empresa pagou cerca de 6 milhões de reais para que o tal “busão”, totalmente adesivado com o logotipo do refrigerante, promova Maués e, de quebra, crie burburinho em torno do produto – não por acaso, em todas as cidades em que o ônibus vai fazer paradas o guaraná precisa aumentar suas vendas. Até que o primeiro episódio vá ao ar, foram necessárias mais de 30 reuniões entre executivos da AmBev, da Bandeirantes e da Endemol, maior produtora de conteúdo do mundo e responsável pela criação e pela produção do programa. “Queríamos aparecer de uma maneira mais original, que não fosse a propaganda comum nem o merchandising”, diz Sérgio Esteves, gerente de marketing de refrigerantes da AmBev. “Arcamos com boa parte dos custos da atração. Assim, poderíamos palpitar em todas as etapas da produção.”
Ao se imiscuir na produção de um programa de TV – algo totalmente fora de sua área de atuação -, a gigante de bebidas se aventura no que os americanos batizaram de brand experience, ou experiência de marca, uma tática publicitária que busca novas formas de interação com o consumidor, fugindo do uso exclusivo da propaganda tradicional. “Graças ao avanço da internet e à crescente oferta de canais pagos, a tendência é que cada vez menos pessoas assistam aos comerciais na TV aberta”, diz Fernando Figueiredo, presidente da agência Bullet. Por causa disso, muitas empresas vêm buscando maneiras mais eficientes – e baratas – de chamar a atenção dos espectadores. Foi esse raciocínio que levou a subsidiária brasileira da Volkswagen a investir 1,2 milhão de reais na produção do Zero Bala, um programa de perguntas e respostas veiculado pela TV Bandeirantes entre novembro de 2009 e fevereiro. Ao longo de 12 episódios, a montadora conseguiu expor sua marca na TV por cerca de 6 horas – além de premiar os vencedores com um Fox, o cenário trazia um enorme logotipo da Volks. Se fosse negociar esse mesmo tempo de exibição em filmes de 30 segundos, estima-se que a Volks teria de gastar pelo menos dez vezes mais. “Ninguém sabe quantas pessoas estão, de fato, em frente à TV durante o intervalo”, diz Herlander Zola, gerente de marketing da Volkswagen. “Participando da concepção do programa, é possível medir a audiência a cada minuto.”
Não é de agora que as marcas buscam soluções alternativas para conquistar adeptos nas telas – sejam elas de TV ou de cinema. A cervejaria holandesa Heineken foi uma das pioneiras nesse tipo de experiência. Para se livrar da pecha de “envelhecida” em seu país de origem, a empresa lançou, em março de 2003, um programa de entrevistas chamado 6Pack, numa óbvia referência à conhecida embalagem com seis garrafas de cerveja. A atração, semelhante ao humorístico CQC, da TV Bandeirantes, mostrava seis jovens holandeses munidos de câmeras pelas ruas de Amsterdã abordando cidadãos comuns com perguntas inusitadas, geralmente relacionadas a temas como música e cinema. Planejado inicialmente para durar uma só temporada (algo em torno de três meses), o 6Pack deu tão certo que ficou no ar durante quatro anos, deu origem a um bar em Amsterdã e foi replicado na Espanha e na Rússia. Embora o programa não fizesse menção direta aos produtos da Heineken, uma pesquisa feita pela empresa mostrou que 60% dos entrevistados percebiam que o 6Pack era uma criação da cervejaria (uma percepção em grande medida reforçada por campanhas publicitárias tradicionais, promovidas enquanto o programa estava no ar). Há grandes chances de o programa holandês finalmente desembarcar no Brasil. A Endemol vem negociando com uma emissora local a produção de uma versão do 6Pack.
De olho nesse filão, a Endemol criou em março uma divisão para desenvolver atrações que incluam brand experience. Além dos programas Zero Bala e Busão do Brasil, a empresa vai estrear em setembro, na TV Record, um programa que apresenta a reforma de seis creches no Brasil, boa parte bancada pela Kimberly- Clark, a um custo estimado de 10 milhões de reais. Tudo para promover o uso da recém-lançada Fralda Mágica entre o público das classes C e D. “Num momento de forte aperto no orçamento das emissoras, esse modelo acena com um enorme potencial de lucratividade para ambas as partes”, diz Olivier Gers, presidente da divisão de marcas da Endemol. Foi o que aconteceu com a parceria entre a anglo-holandesa Unilever e a MTV americana. Em 2006, a empresa veiculou o Gamekillers, um reality show de apenas 1 hora de duração que mostrava atores sabotando o que seria uma paquera de verdade. O objetivo era divulgar a nova fragrância do desodorante Axe nos Estados Unidos. A atração foi vista por 3 milhões de espectadores e reprisada outras 11 vezes por iniciativa da própria MTV, tornando-se um dos programas mais rentáveis da emissora naquele ano. A Unilever não teve de pagar um centavo por essas exibições extras – e ainda aproveitou a súbita popularidade dos personagens nas campanhas tradicionais do desodorante.
Embora garanta uma exposição intensiva da marca a um custo relativamente baixo, a produção de programas de TV por parte das empresas não está livre de riscos. O mais temido deles é que a atração não seja exatamente um sucesso. A própria AmBev já sentiu na pele o que isso significa. Em 2008, a empresa promoveu um concurso de bandas na TV também com o intuito de alardear o Guaraná Antarctica. A atração, batizada de Gas Sound, ficou somente quatro meses no ar pela Rede TV! (a emissora não revela a audiência total). “Era um programa de nicho, numa emissora com baixa audiência”, diz Esteves, da Am- Bev. Para evitar que o Busão do Brasil tenha sina semelhante, a AmBev pretende deflagrar uma intensa campanha em jornais e revistas para divulgá-lo, além de realizar ações em pontos de venda, como a distribuição de brindes. A ideia é que pelo menos 2 milhões de consumidores saibam do que se trata o programa a partir deste mês – o que, a julgar pela dificuldade em atrair a atenção dos jovens, já seria um enorme avanço.
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